Prezados amigos e irmãos de caminhada! Nossa Santa Igreja, celebrando neste ano de 2025 mais um jubileu sob o lema “Peregrinos de Esperança”, convida você e a mim a transformar concretamente a realidade que nos circunda.
Dias atrás, uma frase atribuída a Santo Agostinho me provocou a escrever estas linhas. Diz ela:
“A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como elas são; a coragem, a mudá-las”.
Penso que uma excelente passagem bíblica que pode nos falar de “indignação” e de “coragem” é a da expulsão dos vendilhões do Templo, narrada no Evangelho de São João (Jo 2,13-22), em que Jesus vira a mesa dos cambistas, desfere golpes com um chicote feito de cordas em vários dos presentes e os critica duramente por estarem fazendo “da casa de Meu Pai uma casa de comércio”, cometendo, portanto, uma grande injustiça para com Deus!
Sem desejo algum de politizar ou de causar polêmica estéril, mas tão somente de refletir, na realidade brasileira atual nos defrontamos com um preocupante “templo de injustiça”.
A começar do largo fosso existente entre o discurso e a ação no governo central. Mesmo que não se deva nem se possa exigir somente dos governantes a realização de todas as condições para se avançar em políticas públicas em prol do bem comum, pois cada um de nós tem sua parcela social de responsabilidade, o fato é que devemos exigir o cumprimento das promessas a partir das obrigações legais que lhes são estabelecidas, em verdadeiro exercício de cidadania. Mas o que temos visto?
Projetos com nomes pomposos e detalhamentos que impressionam à primeira vista não faltam, mas nossa economia parece estar indo de mal a pior: inflação crescente, tributação sufocante, índice duvidoso de desemprego e a vã pretensão de que o Estado seja o indutor da economia, embora não produza riqueza alguma. E quem paga o “preço mais alto”? O pobre, evidentemente, que nos tempos de hoje nem ovo de galinha está conseguindo comprar direito...
Saúde beirando o caos: epidemias que não são combatidas de forma planejada, lotes e lotes de vacinas (isto é, milhões e milhões de reais) se perdendo, e descontentamento dos servidores da área com as condições de trabalho, para ficarmos apenas nesses pontos.
Nossa educação continua registrando os piores índices de avaliação em comparação com outras nações, acrescendo-se o desprestígio imposto às universidades que, inclusive, andaram sem recursos até para pagamento de seus servidores...
Na área da segurança, vemos ações muito mais preocupadas em, por exemplo, como abordar criminosos, resguardar seus direitos e estabelecer restrições às ações policiais, do que algo minimamente consistente e que defenda com eficácia a sociedade ordeira, vítima de todo tipo de violência em casa e na rua. É uma lógica invertida, pois é dada maior sensação de segurança ao delinquente do que ao cidadão de bem.
Em nível federal, o quadro da área política é surreal. Executivo fraco, distante dos anseios do povo, catatônico nas ações, cravando, segundo pesquisa Datafolha do dia 14 deste mês, 24% de ótimo/bom, 32% de regular e 41% de ruim/péssimo; Legislativo empoderado e sedento por mais verbas e mais poder; e Judiciário, segundo vários analistas do cenário, distópico, ora legislando, ora ditando políticas públicas.
Sofremos todos nós, pois não há “santos”, somente companheiros.
Quem se indigna e acusa essa situação acaba se voltando contra o status quo, de codinome “sistema”, cuja máquina reage com violência para manter-se firme: perseguições, cancelamentos, criação de narrativas e acusação de fake news, a perigosa moda do momento, para ficarmos nessas ações que diariamente vemos circular nos noticiários.
A partir da liberdade de pensamento, ouso afirmar que as chicotadas de Jesus, a expulsão dos exploradores e as viradas de mesa, caso fossem feitas no “templo Brasilis” de hoje, poderiam Lhe gerar a prisão por tentativa do crime de “abolição violenta ao Estado Democrático de Direito” e/ou de “Golpe de Estado” (artigos 359-L e 359-M do Código Penal). Mas, felizmente,
“A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como elas são; a coragem, a mudá-las”.
Inspirados por essa linda sentença de Santo Agostinho, que tal se fizéssemos algumas escolhas: 1ª) não vamos nos alienar, mas antes seguir acompanhando atentamente nossa realidade; 2ª) evitemos paixões políticas, “mãe” da polarização que nos afunda nesse lodaçal político; 3ª) manifestemo-nos nos foros adequados, mesmo sob risco de censuras, com críticas afirmativas que possam colaborar na construção de uma sociedade mais justa; 4ª) mantenhamos a mão estendida a quem precisa, pois dias mais amargos estão por vir; e, por último e não menos importante, 5ª) roguemos à Santíssima Trindade e a Nossa Senhora da Conceição Aparecida, a graça de serem tocados os corações e as consciências de nossas autoridades e governantes, pois, se lhes chegar o Juízo supremo, inútil será clamar por misericórdia.
Rogério Sartori Astolphi
Juiz de Direito