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Eleição não é concurso de quermesse

Publicado em 2 de outubro de 2024 - 15:38:25

As festas populares, como as quermesses, são ocasiões de celebração da fé, da cultura e da comunidade. Em muitas dessas festas, especialmente nas tradicionais, o concurso de rainhas ou princesas é um momento de grande expectativa. O que parece ser apenas uma competição para selecionar uma representante da festa revela um processo simbólico de escolha que reflete aspectos mais profundos da vida em sociedade, como o próprio ato de eleger um candidato em uma eleição.

Assim como em um concurso de rainha de quermesse, onde as candidatas são escolhidas por sua simpatia, envolvimento com a comunidade e capacidade de representar bem os valores da festa, nas eleições, os cidadãos são chamados a escolher líderes que representam os valores fundamentais da sociedade. No entanto, se no concurso de quermesse as brincadeiras e a disputa entre concorrentes têm uma finalidade positiva, que é a arrecadação de recursos para a comunidade, e podem definir um vencedor, como quem vende mais quitutes, brindes ou quem arrecada mais cestas básicas, em uma eleição todo ato que possa representar abuso do poder econômico ou compra de votos é prática ilegal e inaceitável.

Outra questão que deve ser considerada com atenção é a influência religiosa nas eleições. A legislação brasileira é muito clara e garante a liberdade de expressão religiosa, mas o abuso do poder religioso, quando líderes ou instituições religiosas pressionam seus fiéis a votarem em determinado candidato, distorce a liberdade de escolha do eleitor. Nas eleições, o uso da fé para coagir ou influenciar sobre os eleitores não só contraria a lei, mas também os princípios cristãos de justiça e respeito à dignidade humana. Assim como no caso do abuso de poder pela compra de votos, o uso inadequado da religião para manipulação de eleitores compromete a justiça e a integridade do processo democrático.

No Evangelho, Jesus ensina o valor da verdade e da liberdade: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (Jo 8,32). A verdade é essencial para a liberdade de escolha, e qualquer manipulação, seja pela compra de votos ou pelo uso indevido de influência religiosa, é uma forma de aprisionar a consciência do eleitor. Cabe ao cidadão cristão escolher os candidatos que tenham um compromisso verdadeiro com os valores do Evangelho, com a justiça, a verdade e o bem comum.

Diante disso, o que se espera de um candidato, assim como em um concurso de rainha de quermesse, é que ele tenha qualidades que vão além da superficialidade. No campo político, o candidato deve ser alguém que promova a vida e a dignidade humana, da concepção até o seu fim natural, a solidariedade e o respeito pelas leis, pela verdade e pela ética. O Papa Francisco, na encíclica Fratelli Tutti, número 180, nos lembra que "a política é uma forma sublime de caridade, porque busca o bem comum". Assim, escolher candidatos que praticam essa "caridade política" é uma responsabilidade nossa.

Assim como numa quermesse, onde a escolha da rainha ou princesa deve refletir os valores e princípios da comunidade, na eleição, os representantes políticos devem mostrar os valores do eleitor. Os eleitores que se deixam corromper, por dinheiro ou por benefícios pessoais, não são melhores que os políticos que usam essa estratégia. Numa eleição, não está em jogo uma escolha meramente pessoal ou interesses momentâneos; trata-se de um compromisso com o bem comum, a justiça e a promoção de uma sociedade mais justa e fraterna. Como cristãos, somos chamados a exercer nossa cidadania de forma consciente e responsável, escolhendo aqueles que melhor assumem os princípios do Evangelho. No fim, o que está em jogo não é apenas o resultado de uma eleição, mas o futuro da sociedade.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba

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