O sofrimento é uma grande interrogação para a humanidade desde o princípio. Precisamos viver em meio às dores, às doenças, acidentes que aleijam ou tiram a vida, pandemia e aos mais diversos tipos de sofrimentos humanos. Além disso, constatamos que sofrem pessoas consideradas boas e justas, que rezam e confiam em Deus. A verdade é que o sofrimento não faz distinção entre as pessoas, isso também é um problema, porque não é possível atribuir ao sofrimento, simplesmente, a função de castigo de Deus. O sofrimento é uma realidade complexa, que pode envolver a dor física, reações emocionais e fatores psicológicos. Mas alguns sofrimentos permanecem ocultos, talvez, esses sejam os mais dolorosos.
São dores e angustias que afetam o nosso tempo. Frequentemente, ouvimos falar em suicídio, depressão, síndrome do pânico e diversas outras formas de patologias que atingem as pessoas. Medo, desânimo e dúvida são sentimentos recorrentes na vida das pessoas de diferentes idades, aliás, desde a infância já se percebe as consequências desses sentimentos. Na tentativa de escapar dos sofrimentos, surgem “remédios milagrosos”, drogas alucinógenas e comportamentos distorcidos pelo consumismo ou pela busca do prazer a todo custo. No fundo de tudo isso está uma vida vazia de sentido. Qual a relação entre sofrimento e sentido da vida?
Viktor Frankl foi um psiquiatra austríaco que experimentou os horrores da Segunda Guerra Mundial num campo de concentração. Em uma de suas obras, “Em Busca de Sentido”, ele argumenta que a busca pelo sentido é a força fundamental da vida. Ele defende que, em circunstancias extremas, o ser humano tem a capacidade de encontrar um significado para o sofrimento. O que importa não é o sofrimento em si, mas a reação a ele, que leva à transformação de uma dor em oportunidade de crescimento. Para Frankl, aquele que tem um “porquê” para viver, pode suportar quase qualquer “como”, em sentido positivo de enfrentamento e superação.
Uma passagem do Antigo Testamento oferece exemplo desse caminho de dor e enfrentamento. O profeta Elias era um homem de Deus, que havia defendido a fé, lutando contra os falsos profetas e contra a rainha Jezabel. Por conta desta luta e da defesa da verdade, o profeta precisou fugir e no deserto experimento o abandono, a solidão, o medo e deitou-se para esperar a morte. O homem de Deus estava deprimido e desejou a morte, assim apareceu a sua realidade humana. Nem mesmo os homens e mulheres experimentados na vida espiritual estão livres de passar por momentos de sofrimento e de incertezas. Mas Elias foi despertado duas vezes do seu sono e, nas duas vezes, recebeu pão e água. O profeta reencontrou o “porquê” de sua vida e se recolocou a caminho. Que alimento é esse?
Na vida cristã, o sofrimento sempre foi visto como via de crescimento espiritual, um meio de aproximação de Deus e uma forma de cultivar as virtudes morais. Esta via é particularmente contemplada no mistério de Cristo, Filho de Deus, que compartilhou o sofrimento humano em sua paixão e morte na cruz. A Ressurreição foi a resposta do Pai e a confirmação de que Jesus não foi abandonado, mas glorificado, e que o seu sofrimento foi um evento redentor para toda a humanidade. Por isso, seu Corpo e Sangue, oferecidos no altar da cruz, tornaram-se o alimento de vida eterna para seus discípulos. Como prefigurado na experiência do profeta Elias, alimento que reconduz ao verdadeiro sentido da vida. Mas que alimento temos buscado?
Inebriado por suas conquistas, o homem de hoje se alimenta de suas mentiras e vanglórias. Rejeita a Verdade que liberta, para correr atrás dos falsos profetas e, assim, caminha com medo, desanimado e cheio de dúvidas. Ao se distanciar de Deus, a humanidade perdeu o norte de sua existência e vem caindo em um sono de agonia. Assim como o profeta foi despertado e alimentado para retomar o seu caminho, Deus continua oferecendo sua Palavra para nos despertar. Se como homens e mulheres de Deus também estamos sujeitos ao medo, ao desânimo e à dúvida, quando o Senhor nos desperta, Ele se dá como nosso alimento: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós”. Nele, recuperamos o sentido da vida e podemos retomar o caminho na direção que foi pensada por Deus.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba