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O paradoxo do amor

Publicado em 29 de julho de 2024 - 15:55:47

A relação entre Jesus e os irmãos Marta, Maria e Lázaro, no Evangelho, está marcada por algumas controvérsias. Seja na ocasião da visita de Jesus à casa dos irmãos ou no momento da doença e morte de Lázaro. Na primeira, vez Jesus parecia não se incomodar com o esforço de Marta e com acomodação de Maria. Já na segunda vez, Ele parecia indiferente ao sofrimento das irmãs diante da eminente morte do irmão. Onde estava Jesus e por que Ele não fez nada pelo amigo? Jesus amava de fato os irmãos? Se a resposta é sim, por que a indiferença?

O amor é uma realidade paradoxal na experiência humana, não pode ser visto, apenas vivenciado. A invisibilidade do amor não diminui sua realidade, ao contrário, acrescenta uma camada de profundidade e mistério à sua existência. A experiência do amor manifesta-se em ações e sentimentos que, embora intangíveis, são profundamente reais para aquele que o vivencia. Assim como não podemos ver o vento, mas sentimos sua presença e vemos seu impacto, o amor revela-se através das mudanças que opera nas vidas e nas relações interpessoais.

Este caráter oculto do amor torna-se ainda mais complexo quando consideramos que sua expressão pode ser aparentemente contraditória, assemelhando-se ao mistério da cruz. O amor pode exigir sacrifício e sofrimento, desafiando nossa compreensão de felicidade e satisfação pessoal. Assim como a cruz, que simboliza simultaneamente sofrimento e salvação, o amor pode manifestar-se em atos de auto entrega que, à primeira vista, parecem contrários ao próprio bem-estar. Jesus não repreendeu Maria, mas elogiou sua atitude, assim como não correu para curar Lázaro. 

Essa dimensão sacrificial do amor é difícil de entender e de aceitar, pois vai contra a lógica egoísta de busca do próprio benefício. A amizade de Jesus com os irmãos não deveria provocar uma imediata ação? As nossas preces e lágrimas não deveriam ser imediatamente respondidas pelo Deus que é amor? No entanto, é precisamente essa capacidade de se doar e de se sacrificar que revela o amor em sua forma mais pura e transformadora. O tempo, a espera e a doação de si mesmo estão necessariamente ligados à comprovação do Amor.

A verdadeira medida do amor, portanto, encontra-se na capacidade de sacrificar-se pelo outro, independentemente de retribuição. O amor autêntico não calcula ganhos nem perdas; sua lógica é a do dom gratuito. Este tipo de amor sacrificial é visível em inúmeras histórias de pessoas que dedicaram suas vidas ao bem dos outros, muitas vezes sem receber nada em troca. Santos, homens e mulheres de todos os tempos e muitos cristãos anônimos são testemunhas objetivas dessa verdade. 

A decisão de colocar as necessidades de outra pessoa acima das próprias, de sofrer em lugar de outro, é a expressão mais eloquente do amor verdadeiro. Assim como Cristo na cruz, cujo amor pela humanidade o levou a dar a vida sem esperar que pudéssemos recompensá-lo adequadamente, nós também somos chamados a amar de forma sacrificial. É esse amor que testemunha a existência de algo transcendente, confirmando que o amor é uma verdade profunda, embora invisível, que molda nossa realidade e define nossa humanidade.

Marta foi interrogada sobre o que acreditava, e isso quer dizer em outras palavras, sobre o que ela amava e sobre sua confiança em Jesus. Antes da ressurreição de Lázaro, Maria declarou sua fé e apenas depois disso é que Lázaro deixou o túmulo. Dessa forma, o amor a Deus independe do que Ele vai realizar. O amor a Deus é um ato de fé e confiança, que Ele é capaz de realizar tudo, mas não precisa nada para provar o seu amor. Essa relação paradoxal é o grande escândalo para o mundo, mas é Verdade professada pelos cristãos.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba

 
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