A cultura woke e os católicos - II

No artigo anterior vimos que os alicerces da cultura woke assentam-se na intransigência de suas opiniões, ainda que com pouca ou nenhuma base empírica ou científica; na consequente imposição de seu ideário; e na subsequente utilização de métodos de silenciamento dos que lhe são contrários, em particular do “cancelamento” e da censura, algumas vezes com a fantasia do “combate aos discursos de ódio”, frase que seguramente você, como eu, está cansado de ouvir!

Temos, portanto, o ataque à verdade e às liberdades de manifestação e de expressão de pensamento (desde que o pensamento divirja do pensamento woke, evidentemente!), dois valores que o cristianismo em geral, e nossa Igreja Católica Apostólica Romana em particular, defendeu desde sempre, pagando em inúmeras ocasiões e até o tempo presente, um preço bem alto!

O cristianismo tornou-se o maior inimigo do movimento woke, pois cultua a verdade como norma obrigatória de conduta, como regra de vida, encarando-a e não a desvirtuando ou criando estereótipos vazios. E é bem simples compreender o motivo: o Evangelho não é politicamente correto.

O Cardeal Robert Sarah nos apresenta esta belíssima reflexão: “Deus é a verdade; mediante seu Filho, ele ouve o que aspiramos a esta verdade. O apego e o amor da verdade constituem a atitude mais autêntica, mais justa e a mais nobre que um homem possa querer nesta terra. Ao contrário, a ausência da verdade é a verdadeira miséria do homem; porque a recusa da verdade paralisa e falseia seu agir. Assim, o homem que não está na verdade de Deus se encontra prisioneiro de seu ego. Sem verdade, somos estrangeiros a nós mesmos, divididos em nosso ser, apartados de Deus, prisioneiros de nossas próprias trevas” (“Deus ou nada”, Ed. Fons Sapientiae, 2ª edição, p. 314).

Um único exemplo servirá para mostrar a rudeza do combate que travamos enquanto Igreja Católica: a impostura da moda chamada “ideologia de gênero”, que busca por diversas maneiras e a todo custo desconstruir –ou destruir mesmo, se preferir— a figura do homem e da mulher, criaturas de Deus “à sua imagem” (Gn 1,27). Para os partidários dessa sandice, ninguém nasceria homem ou mulher, pois, com o passar do tempo, iria descobrindo sua identidade independentemente de ser, sob a ótica da ciência da Biologia, um ser humano do sexo masculino ou feminino, sexo que é um dado objetivo de realidade e não uma invenção que se amolde a alguma “vontade subjetiva”.

Sob pesadas críticas de setores “progressistas” que somente por conveniência o adulavam, Papa Francisco, em conferência realizada no Vaticano em março deste ano denominada “Homem-Mulher imagem de Deus. Por uma antropologia das vocações”, destacou que “o perigo mais feio é a ideologia de gênero, que anula as diferenças. Pedi para fazer estudos sobre essa ideologia ruim do nosso tempo, que apaga diferenças e torna tudo igual. (...) Cancelar a diferença é cancelar a humanidade. Homem e mulher, porém, vivem uma ‘tensão’ fecunda”.

Conectado à verdade que não deve ser escondida por nós, cristãos, pois, do contrário, “as pedras gritarão” (Lc 19, 40), está a sacrossanta liberdade, direito fundamental protegido em diversas passagens de nossa Constituição Federal. A Igreja, dada sua bimilenar instituição amparada na Graça de Deus e na coragem heroica e resiliência de homens e mulheres de fé, tem, sim, “lugar de fala”, como gostam de dizer, em todo o espectro sociopolítico da humanidade! Mas quando expressa sua opinião, poderosos lobbies ativistas dos direitos dos gays, de mulheres defensoras do aborto, e de ideólogos do gênero, para ficarmos somente em três, vêm para cima com toda a virulência, mesmo nós, brasileiros, vivendo num Estado de Direito laico em que há a separação formal de qualquer confessionalidade, onde não se procura impor a fé cristã ao nosso povo.

Que os adeptos da cultura woke saibam que não vivemos sob uma “teocracia secularista”, mas sim num regime legal que, apesar de suas atuais mazelas, ainda pode ser considerado democrático e que resguarda a nós, cristãos, o direito de não sermos forçados a agir contra nossos valores mais do que sedimentados, e, a partir deles, expressarmos nossas convicções sempre buscando o respeito e, oxalá, o consenso.

Bem por isso que fica a exortação: “Católicos e católicas: Stay woke!”

Abraços fraternos a todos!