No Brasil, o voto ainda é obrigatório. No entanto, o eleitor que não comparece no dia da eleição tem a opção de justificar a ausência ou, posteriormente, pagar uma multa para ficar em dia com a Justiça Eleitoral. Uma análise simples dos resultados das eleições anteriores revela uma realidade que merece discussão. Claramente, há uma rejeição à política como assunto, e até mesmo aos candidatos. A polarização é outro problema estabelecido. O reflexo disso pode ser observado nos resultados das urnas, com uma abstenção de 21,06% e 6% de votos brancos e nulos[1], considerando as eleições presidenciais e a apuração apenas no Estado de São Paulo.
O primeiro número que chama a atenção é o de abstenções, que totalizaram 7.304.385 de votos. Esse grupo de pessoas sinaliza um alto índice de indiferença. O segundo número soma 1.117.345 de votos nulos (4,08%) e 526.677 de votos brancos (1,92%). Esse grupo aponta para a rejeição do cenário político atual. Somando os dois grupos, chegamos a 8.948.407 votos, um número com capacidade para interferir e alterar o resultado final de uma eleição. A indiferença e a rejeição não são respostas políticas; elas abrem caminhos para fragilidades, como a falta de representatividade e o fortalecimento de grupos com viés meramente ideológico, pela militância.
Esses números, somados, poderiam ser considerados uma forma de voto de protesto. Mas a questão é: como a não participação por indiferença ou rejeição do processo político pode interferir nos rumos da política atual? Esse comportamento é perigoso e se torna uma forma de delegação, uma espécie de procuração, onde o eleitor que não vota deixa a decisão nas mãos de quem se organiza. Assim, grupos que se organizam não apenas ganham eleições, mas também tomam o poder e governam 100% dos eleitores.
Embora a religião e a política sejam áreas distintas e seja importante conservar essa distinção, as pessoas de fé não podem delegar sua responsabilidade como cidadãos. Portanto, faz-se necessário retomar o autêntico sentido da política, seja como reflexão teórica, seja como expressão de participação das pessoas de fé. Através da reflexão teórica, avançamos no conhecimento dos elementos essenciais da política, que são: a relação entre autoridade, poder e seu legítimo exercício, a aplicação da justiça para reparar as desigualdades, a solução de conflitos e o estabelecimento de compromissos sociais. O eixo transversal dessa reflexão é o bem comum.
No âmbito da fé, a abordagem política deve necessariamente considerar os valores morais ensinados. Uma vez que "a Igreja é perita em humanidade, e isso a impele necessariamente a alargar a sua missão religiosa aos vários campos em que os homens e as mulheres desenvolvem as suas atividades em busca da felicidade, sempre relativa, que é possível neste mundo em conformidade com a sua dignidade de pessoas"[2]. Em vista disso, a Igreja tem interesse no bom andamento das coisas da sociedade, e seus filhos não podem ficar apartados dessa responsabilidade, que é a participação política.
É nesse sentido que a fé desperta o compromisso do eleitor em pensar na realidade social em que está inserido, avaliar os projetos e propostas para tomar sua decisão. A soma dos votos brancos, nulos e abstenções chega a 27% do total de eleitores, e para reverter essa realidade é fundamental o debate de ideias e projetos nos diversos ambientes, incluindo o ambiente eclesial. É importante reafirmar que não se trata de trazer para dentro de nossas comunidades a polarização partidária, mas sim de criar um ambiente de reflexão iluminado pela fé. Sejamos católicos conscientes e dispostos a assumir nosso dever cívico, promovendo mudanças e buscando o bem comum.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba
[1] Dados do TSE: https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html#/eleicao;e=e545;uf=sp;ufbu=sp/totalizacao.
[2] Papa João Paulo II, Solicitude Social, 40.