Nos relacionamentos hoje corremos os riscos de “nos deixarmos levar por um processo de hipervalorização da individualidade, que resulta em autorreferencialidade. Quando somente o ‘eu’ é a referência, o outro se torna estranho e perde lugar. Assim, quando nossas diferenças são entendidas como ameaças e não encontram nossos esforços em construir fraternidade, as relações humanas se rompem e a morte encontra espaço para existir entre nós” (Campanha da Fraternidade, Texto base, n° 98). Como cristão, sabemos que no Batismo todos recebemos a mesma dignidade fundamental, filhos de um único e mesmo Pai e irmãos entre nós.
Na Bíblia, o Livro de Rute apresenta belo exemplo de sua amizade com a sogra Noemi. “São belos os vínculos familiares ou étnicos que vão se construindo a partir daqueles vínculos convencionais de sangue ou de pátria comum. Mas tão belos quanto esses são aqueles que nascem das escolhas: da persistência do amor sobre a indiferença, da busca pela paz em vez da guerra” (CF, Texto base. nº 103). Rute renunciou ao direito de voltar a sua pátria, escolhendo permanecer com Noemi e assumindo um novo povo por compaixão, identificação e empatia.
A história de Rute e de Noemi “ilumina o significado da amizade social. Só é possível porque são superados os limites de sangue e etnia que, na sociedade atual, são manipulados para subsidiar a indiferença e o descaso. O exemplo bíblico, em nome da primazia da compaixão e da fraternidade. Vai na contramão do que seria aceito, inclusive legalmente, em uma sociedade na qual o individualismo ainda não era tão forte. Os laços estabelecidos como resultado da amizade e da fraternidade são capazes de restaurar uma vida, resgatando do esquecimento, da solidão e até mesmo da pobreza e da miséria” (CF, Texto base, nº 106).
No próprio Jesus encontramos “o sentido de sua fala: Todos vós sois irmãos” (Mt 23,8). Interpelado a respeito de sua família, Jesus dissera: “Eis minha mãe e meus irmãos Todo aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. (Mt 12,49-50). Em Jesus os laços gerados a partir da fé são mais fortes que os laços de sangue. Por certo, Jesus não derroga o quarto mandamento (honrar pai e mãe). Ele eleva os laços humanos a um nível muito mais alto: ao nível da fraternidade universal. Desse modo, fé e fraternidade se conectam irrenunciável e irreversivelmente” (CF, Texto base, nº 109).
Para compreendermos a teologia joanina devemos ir ao discurso de Jesus no capítulo 15. “Jesus utiliza uma imagem muito clara ensinando aos discípulos o seu lugar no Reino de Deus: o discípulo é ramo da videira verdadeira que é Jesus. Não lhe cabe o lugar do caule ou da seiva que nutre e provê a vida, mas sua vocação é a união à videira que é Jesus: só nele há vida. Essa união é possível se o discípulo guarda o mandamento do Mestre que é único: “que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo, 15,12) (CF, Texto base, nº 111). Os testemunhos dos santos são “exemplos edificantes de fraternidade e amizade social” (CF, Texto base, n° 114).
No processo sinodal na Igreja no Brasil “um grande clamor pela superação da indiferença e do individualismo emerge como voz das comunidades brasileiras ... para que pudéssemos ver o quanto a Igreja tem sofrido com o cenário de desentendimentos e divisões que este texto expôs em suas primeiras páginas. Desde a superação das mazelas em nossas relações interpessoais até a resolução dos conflitos intraeclesiais – como as disputas de poder, o clericalismo e as dificuldades de diálogos entre grupos ideologicamente contrastantes 0 a amizade social parece ser o caminho que o Espírito tem indicado à Igreja” (CF, Texto base. nº 122).
Pe. Antônio Carlos D´Elboux – acdelboux@uol.com.br
Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus
Saltinho - SP