Nos seus mais de 60 anos de história, a Campanha da Fraternidade abordou muitos temas concretos ligados à vida das pessoas, das comunidades e do povo brasileiro. O tema deste ano, Amizade Social, é um valor em si mesmo e um dom de Deus, sendo um apelo à mudança de vida. “Nossa fé nos recorda de que somos todos irmãos e irmãs, possuidores da mesma dignidade, o que nos dá uma igualdade fundamental” (CF, Texto base nº 24). Resguardada “a igualdade fundamental, somos muito distintos na forma física, no modo de pensar e agir, nas opções de vida, no relacionamento interpessoal e com o Transcendente” (CF, Texto base, nº 24).
Também devemos admitir que somos diferentes! “E nossas diferenças não são, em si, um problema. São nossa riqueza! Às vezes, somos divergentes! Terrível seria se pensássemos todos da mesma maneira. E há pessoas que são até oponentes! Ou seja, ao nosso ver limitado, sua existência não tem nenhuma função a nosso favor, entendemos falsamente que sua existência é contrária à nossa” (CF, Texto base, nº 25). “No entanto, nem as diferenças, nem as divergências, nem a oposição devem nos impedir de cumprir o mandamento maior que Jesus nos deixou como seu testamento” (CF, Texto base, nº 26).
Nós sabemos que o “pecado nos distancia do projeto de Deus e faz-nos enxergar as diferenças, divergências e oposições não como riquezas, oportunidade ou mesmo obstáculos a serem superados, mas como características dos inimigos a serem abatidos. É preciso que fique muito claro que a subjetividade é um valor, as diferenças não são um problema e a solução não é a homogeneidade de pensamento” (CF, Texto base, nº 27). “Em verdade, ‘deve-se eliminar, como contrária à vontade de Deus, qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto aos direitos fundamentais da pessoa...’” (CF, Texto base, nº 28).
Precisamos sempre acolher, conhecer e apreciar o outro como irmão, como irmã. “Suas particularidades, por vezes estranhas, podem, até mesmo nos enriquecer. Mas, mesmo que isso não ocorra, ele não pode ser transformado em um inimigo a ser eliminado” (CF, Texto base, nº 29). Fomos criados à imagem e semelhança de Deus (Imago Dei). “Aquele que diverge de mim é alguém que, tanto quanto eu, tem direito de existir. Mas não só! Tem o direito de divergir, de ser diferente, de pensar diferente, de agir diferente. Por isso, nunca deve ser visto como um oponente a ser vencido, abatido, mas sempre como um irmão, uma irmã...” (CF, Texto base, nº 31).
Na nossa sociedade “imperam cada dia mais a intolerância e o consequente desejo de eliminar o diferente, seja uma eliminação real (homicídio), seja uma eliminação virtual (cancelamento). Esta realidade é tão fortemente presente que podemos caracterizar a nossa cultura como a cultura do cancelamento. As redes sociais têm sido terreno fértil para essa cultura. O esvaziamento da força do diálogo na comunicação, por causa das ferramentas redutivas que promovem a superficialidade nas redes sociais, amplificou a intolerância e o ódio” (CF, Texto base, nº 33). As divisões acontecem nas famílias, nos partidos, no trabalho, na escola e em ambientes de amizade.
É preciso dizer que no ambiente religioso não é diferente. “Quanta violência já se praticou e se pratica em nome da religião. Violência que é fruto do desejo fundamentalista de eliminar o outro, de eliminar aquele que compreende Deus de uma forma diferente da minha” (CF, Texto base, nº 35). O Concílio Vaticano II, na Declaração sobre a Dignidade da Pessoa, já ensinou que ninguém deve ser forçado a agir contra a própria consciência. Por isso a amizade social “é uma categoria que se enquadra no âmbito da fraternidade, da prática comprometida da solidariedade e de uma ativa compaixão” (CF, Texto base, nº 37).
Pe. Antônio Carlos D´Elboux – acdelboux@uol.com.br
Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus
Saltinho – SP