Promoções são uma das formas que o comércio utiliza para acelerar as vendas de produtos. Às vezes, encontramos nas gôndolas de supermercados ou lojas coisas do tipo “leve três e pague dois”. A promoção enche os olhos do consumidor, que, ao imaginar o que está ganhando, não faz cálculos e, às vezes, descuida de verificar a validade dos produtos ou até mesmo de considerar se realmente precisa de tudo o que está levando. De certa forma, a propaganda se torna uma distração, uma isca para atingir o objetivo que é vender mais. Coisas semelhantes acontecem em outras áreas e situações, como na política, quando se distrai a atenção das pessoas para que não percebam o que vai acontecer de fato. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 442 é um desses casos, uma promoção enganosa de um crime contra a vida.
Na tentativa de descriminalizar o aborto até a décima segunda semana de gestação, escondem-se outras motivações. Atualmente, no Brasil, o aborto já é permitido em três casos: quando há risco de vida para a gestante, quando a gravidez é resultado de estupro e nos casos de anencefalia fetal. No entanto, a ADPF 442 propõe um passo muito além e esconde armadilhas ideológicas. Pelo menos três pontos podem ser facilmente evidenciados. O aborto até a décima segunda semana abre caminho para a eugenia, para a criação de uma sociedade esteticamente perfeita, com a questão de saúde pública como pano de fundo.
O tema da eugenia já foi abordado em outro artigo e consiste no descarte controlado de pessoas indesejadas. Essa prática já foi utilizada por sistemas políticos, em guerras ou mesmo para a “seleção” de pessoas com características e habilidades mais “desejadas”. A eugenia, combinada com uma sociedade esteticamente perfeita (outro tema já abordado), pode abrir caminho para evitar o nascimento de pessoas com todo tipo de doenças, síndromes ou imperfeições físicas. O terceiro elemento, a saúde pública, entra nessa composição pensando nos custos. Uma pessoa com mais necessidades de cuidados gera maiores despesas para o Estado, e a interrupção da gravidez seria uma forma de economizar recursos e investimentos em saúde pública.
As razões por trás da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 não têm nada a ver com preocupações humanitárias; são de cunho pragmático-econômico, ideológico-político e hedonista, ou seja, buscam o prazer como finalidade da vida humana. A aprovação da ADPF 442 garantirá três mecanismos facilitadores de uma verdadeira limpeza social. Aqui cabe a cada um de nós uma pergunta existencial. Queremos viver numa sociedade que facilita o descarte de pessoas ditas “indesejadas”?
Recordando a narrativa evangélica do Bom Samaritano, o Papa Francisco afirma: “A inclusão ou exclusão da pessoa que sofre na margem da estrada define todos os projetos econômicos, políticos, sociais e religiosos. Dia a dia enfrentamos a opção de ser bons samaritanos ou viandantes indiferentes que passam ao largo” (Fratelli Tutti, 69). Para nós, cristãos, a indiferença diante da possibilidade de aprovação da ADPF 442 não é uma opção. Não podemos passar ao largo, vendo vidas ceifadas pela arrogância e pela vaidade humana desordenada. Se por hora a votação não está em pauta, não podemos descuidar, “pois os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz” (Lc 16,8). A indiferença não é uma opção para nós cristãos.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba