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Vamos falar sobre o aborto?

Publicado em 10 de outubro de 2023 - 09:43:26

Você que defende o "direito" de alguém eliminar uma vida humana em seu momento mais indefeso, por qualquer que seja a justificativa ou em qualquer período de gestação, sejamos honestos, você não acredita que existem argumentos consistentes ou minimamente justos para defender esse crime, acredita?

Se a resposta é "sim, eu acredito", então você se encontra, fatalmente, em uma destas duas situações: ou não conhece contrapontos sérios aos seus argumentos – portanto não conhece os seus próprios argumentos e só repete chavões sem discernir o que significam –, ou você precisa fazer um exame profundo (e honesto) de consciência para decidir que "tipo" é você como cidadão e como ser humano. E esteja preparado para esse exame porque, provavelmente, vai constatar que tem um imenso apego às ideias que você jura ser contra, como machismo, racismo, eugenia, assassinato de mulheres pelo simples fato de serem do sexo feminino - feminicídio que fala, né? -, eliminação de pobres por serem pobres, de pessoas de cor ou etnia diferente da sua e até o pensamento de que existe um "tipo" de ser humano que merece viver porque é superior aos outros (você sabe bem o nome disso, não sabe?). De quebra, ainda vai perceber que dá suporte ao aprofundamento de desigualdades por sustentar algo que, por óbvio, vai enriquecer ainda mais grupos que já são podres de ricos (ou ricos de tão podres).

Bem, vamos ficar aqui só no território dos argumentos, combinado? Não se preocupe, não vou citar minúcias de fontes e mais fontes escolhidas por mim. O legal da internet é que, embora existam bolhas tendenciosas, você é livre para fazer uma pesquisa criteriosa, sem vícios ideológicos de qualquer lado, e encontrar informações sérias sobre qualquer assunto (faça esse exercício, isso vai te libertar de muita coisa). Também não vou falar de Deus. É claro que todos nós precisamos d’Ele a todo momento, por isso, será uma felicidade conversar sobre Ele quando e se você quiser, mas a ideia aqui é falar de argumentos e contrapontos, pois conhecendo-os melhor ficará mais fácil decifrar quem é você na fila do aborto... Ah, essa fila você não pegou, né? Sorte a sua, graças a Deus.

A ADPF 442, que ainda se encontra no Supremo Tribunal Federal (STF), pretende liberar a interrupção voluntária de toda e qualquer gestação humana até a 12ª semana, não importa se é fruto de estupro ou relação consensual; não importa se há riscos para a mãe, se é por mera vontade da gestante ou por pressão de familiares ou do homem que não merece ser chamado de pai; não importa o sexo da criança, que hoje em dia pode ser identificado a partir da oitava ou nona semana; não importa se a criança será 100% saudável ou terá algum problema genético; não importa a cor nem a classe social (mas nós sabemos quem são e quem foram, historicamente, as vítimas de absurdos como políticas de "branqueamento" de populações e controle de natalidade, não sabemos?).

Há entre os argumentos favoráveis ao assassinato de bebês a falácia muito repetida de que a descriminalização até determinado período ou em certos casos tem que ser tratada como "questão de saúde pública" e não como "caso de polícia", em uma falsa defesa de que a mulher não deve ter que responder perante a lei pelo ato cometido. Ato esse que, hoje, é crime. É fato que, em muitos casos, a mulher que comete ou decide cometer o aborto pode estar, na verdade, precisando de acolhimento, de cuidados e acompanhamento médico ou psicológico, mas me diga, honestamente, quantas mulheres você conhece que fizeram aborto e quantas delas foram presas ou criminalizadas por isso?

É fato que existem casos, sim. Mas também é fato que, ao mesmo tempo em que cresce o percentual majoritário da população brasileira contra a descriminalização do aborto, também aumenta uma outra maioria, a das pessoas contrárias à prisão das mulheres que cometeram esse crime. A pesquisa "A Cara da Democracia", amplamente noticiada no último ano eleitoral, atesta isso. Temos a péssima tendência de infantilizar e diminuir a capacidade do brasileiro de pensar sobre questões complexas. No entanto, parece que a compreensão da maior parte da população é de que a abordagem dos casos deve ser individualizada e não de culpabilizar automaticamente só a mulher. Isso não quer dizer que a prática do aborto deva ser descriminalizada. Não é essa a vontade popular nem o certo a se fazer, pois, após a concepção, está em jogo, sim, uma vida humana, inocente, e dotada de direitos fundamentais exatamente iguais aos seus, aos meus, aos de qualquer pessoa, incluindo ministros do STF.

Por falar em direitos fundamentais da vida intrauterina e de ministros do Supremo, vamos ao argumento de que não existe “consenso" científico, filosófico, etc., sobre quando se inicia a vida humana e, por isso, só se poderia falar em "vida celular" até certo momento da gestação. Hein!? Que discurso mais ginasial é esse? Sem querer apelar para sentimentalismos, mas a literatura indica que, com seis semanas, já é possível ouvir o coração do ser humano que está no ventre materno, com 12 semanas, que é o que estão querendo estabelecer como "nota de corte" para dizer se é humano ou não, os órgãos já estão praticamente todos formados, já existe um rosto humano ali! Mas, independentemente disso, alguém já ouviu falar de uma mulher que descobriu estar grávida e depois de algumas semanas soube que, na verdade, estava gerando um skate ou uma tartaruga? Sabe por que não? Porque a "vida celular" no ventre de uma "pessoa que engravida" é vida humana, não tem como se tornar outra coisa depois. Ainda que seja vida humana em estágio celular, ainda que seja vida humana em potencial, é potência de vida humana e, essencialmente, é vida humana se desenvolvendo, sim. Seria justo que alguém pudesse te matar simplesmente pelo potencial, bom ou ruim, que você carrega?

Falam por aí ainda que "madames fazem aborto quando querem" porque têm dinheiro para viajar ao exterior e pagar pelo "procedimento", mas “a mulher da favela morre nas mãos dos açougueiros". Também dizem que países onde esse crime foi legalizado o número de abortos diminuiu, não é? Pois é, o nível do argumento aqui já cai para pré-ginasial. A explicação para a redução dos números está no fato de que os dados passam a ser oficiais, o que na realidade aponta para a falta de credibilidade das estatísticas dos chamados "abortos clandestinos". O cardeal Dom Odilo Pedro Scherer deu uma ótima resposta, usando simplesmente raciocínio lógico, ao falar sobre isso durante entrevista ao programa Roda Viva. Pesquise, vale a pena! Mas, em resumo, as perguntas que você pode se fazer são as seguintes: falam em mais de um milhão de mortes, mas mesmo que fosse um único aborto, se é clandestino, quem está contando? Se estão contando, por que não tomam providências de acordo com a lei e em atenção às vítimas? Qual é a procedência real desses "dados" e a quem interessa divulgá-los?

Seja como for, se a eliminação dessas vidas humanas for descriminalizada, além de ser possível a contagem oficial dos casos – que continuarão acontecendo e isso é grave –, o fato é que se abrirá a possibilidade, legal, para que alguém lucre com a exploração desse mercado da morte, inclusive com o patrocínio do poder público. Sabemos o quanto pode ser lucrativo fazer negócios com o Estado brasileiro, não é? Pense, será que as "madames" vão deixar de viajar para o exterior para se expor cometendo o aborto numa clínica no centro da cidade, ainda que seja descriminalizado? Ou será que vamos ter estruturas nas periferias, perto das comunidades carentes para isso? Os filhos de quem realmente serão extirpados dos ventres maternos? A que preço? Pago com dinheiro público? Teremos mutirões de aborto? Seria dantesco, um novo tipo de holocausto chancelado por uma elite econômica, política e que se diz pensante. Como disse, sabemos quem são historicamente os principais alvos das políticas de branqueamento e controle de natalidade.

A desculpa sempre é a de resolver problemas sociais. E isso o Brasil tem aos montes, assim como tem os intelectuais de redes sociais que sabem como resolver tudo. Dia desses vi um comentário, em um vídeo no qual Dom Devair Araújo da Fonseca, bispo de Piracicaba, reforçava a posição da Igreja Católica contra o aborto. Uma pessoa surgiu com a informação sobre tantos milhões de crianças no Brasil sem o nome do pai no documento e outros tantos milhões de mães "solo". Sem dúvida que esses são problemas sociais que precisam ser enfrentados, essas crianças e mães merecem o acolhimento e o apoio da sociedade, dos familiares, da escola, mas acho que não entendi bem a provocação daquele comentário. Será que quem vai pagar pela irresponsabilidade, pelo crime e pelo abandono cometidos pelo homem nesses casos será a criança indefesa no ventre? É a mulher quem vai ter que carregar as marcas psicológicas, sentimentais e até físicas do aborto, como se já não bastassem em alguns casos as marcas do abandono ou, pior ainda, do estupro? Será que uma dessas crianças, que hoje pode estar correndo para os braços de um avô carinhoso, de uma mãe adotiva que não pôde engravidar, que está aprendendo a ler na escola, brincando, será que ela preferiria estar morta, preferiria não ter nascido porque não conhece o pai ou porque ele (e só ele) é um criminoso?

Sim, é difícil dizer isso e não há margem para relativismos de nenhuma parte, mas o mesmo argumento pela vida vale para os casos de estupro. Os danos desse crime hediondo contra a mulher são incomparáveis, só quem passou por isso sabe quais são e o quanto doem, e claro que o criminoso tem que pagar pelo que fez, conforme a lei. Mas esse crime não deve ser o motor para outro crime ou para mais dores. Assim como não há previsão de pena de morte para o estuprador, não deveria haver pena de morte para o ser humano que não tem culpa do que aconteceu. Sim, é doloroso pensar que uma mulher tem de carregar por nove meses o filho do homem que a violentou, mas pode ser reconfortante imaginar que aquele bebê, dado em adoção ou assumido e criado pela própria mãe biológica, em um ato de grandiosa misericórdia, poderá ser a alegria de alguém no futuro. Tal alegria também não é uma certeza, é verdade, mas que "tipo" de pessoas somos nós, como cidadãos e seres humanos, diante disso?

Por fim, o homem é frequentemente apontado como alguém sem direitos de opinar quando o assunto é aborto ou os "direitos reprodutivos da mulher". Ironicamente, o STF que pode decidir sobre a ADPF 442 é composto por uma ampla maioria masculina. E se combinarmos os discursos pró-descriminalização, veremos que eles defendem que, como é a mulher quem engravida, cabe somente a ela decidir o que fazer com a “vida celular” dentro dela. Esse pensamento, no entanto, só favorece o "tipo" de homem que não assume suas responsabilidades, que abandona a mulher e a criança e, de certa forma, beneficia até o estuprador, pois todos esses "tipos" terão muito menos com que se preocupar em relação às consequências dos seus atos.

Por outro lado, um homem que merece ser chamado de pai, que tem intenção de assumir, criar e amar um filho ou filha, esse se vê completamente desamparado. O homem é chamado a cumprir suas obrigações de genitor judicialmente, não é? Ora, então não parece descabido pensar que o dever está em alguma medida relacionado a um direito. Agora imaginemos o seguinte: um casal engravida por acidente ou mesmo de forma planejada, no entanto, por algum motivo, no prazo de 12ª semanas, a mulher muda de ideia ou simplesmente decide que não quer ter a criança. O homem, por sua vez, tem o desejo de ser pai, ele se responsabilizaria, cuidaria e amaria o fruto daquela relação, mesmo que a mulher não o quisesse mais como parceiro. E aí?

E aí que o discurso de que cabe só à mulher decidir dá a ela o aval para eliminar uma vida que é desejada e até amada por outra pessoa completamente envolvida, mas que se vê excluída do direito de decidir. O que esse homem poderá fazer se o aborto for descriminalizado da forma como querem? Aparentemente, nada! Podem dizer que isso é um caso hipotético e que, se acontecer, será uma minoria. Pois é, mas a lei e a Justiça devem também proteger os pequeninos, os casos excepcionais e as minorias. Você concorda? Ou você concorda só com as ideias que você jurava ser contra?

Araripe Castilho
Jornalista

Imagem: Divulgação / CNBB

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