A sociedade, tal como a conhecemos, é composta por organizações públicas e privadas. Cada organização tem sua finalidade própria, desenvolvendo seu trabalho. A organização pública conta com as prefeituras, os governos dos estados e o federal. O objetivo da gestão pública é promover o bem comum e organizar a sociedade. Além disso, ainda existem o poder judiciário e legislativo, em diferentes instâncias e subordinações, que, juntamente com as forças de segurança, cuidam da lei e da ordem social. Em paralelo e colaborando com as forças públicas, existem as organizações não governamentais, as chamadas ONGs, que têm grande relevância para a vida da sociedade.
Em certa ocasião, o Papa Francisco afirmou que a Igreja não é uma ONG e, ao dizer isso, o Papa mostra como a natureza da Igreja não se confunde com as organizações humanas. A Igreja é, antes de tudo, uma realidade desejada por Deus desde sempre e que foi iniciada no tempo pela missão do Cristo, Filho de Deus, e continua agindo pela força e presença do Espírito. Sendo assim, o compromisso da Igreja é com a Verdade do Evangelho. Ela tem uma missão profética no mundo, e aqui recordamos as palavras do profeta Ezequiel, no capítulo trinta e três: “Quanto a ti, filho do homem, eu te estabeleci como vigia para a casa de Israel. Logo que ouvires alguma palavra da minha boca, tu os deves advertir em meu nome”.
Os termos profecia e profético não estão relacionados aqui a previsões de futuro, castigos, catástrofes ou coisas do tipo. A missão profética e a profecia dizem respeito ao alerta, à denúncia que devemos fazer sobre tudo o que desvia o ser humano dos caminhos de Deus e, por consequência, o afasta do bem e de sua própria humanidade.
Sempre existe, no entanto, o risco da profecia se distanciar de sua finalidade primeira, que é anunciar a Palavra de Deus. Isso acontece quando se deixa de ouvir a Deus para escutar outras teorias ou teologias, marcadas por ideologias. Nesse caso, existe um erro formal no método e no jeito de ser profeta, porque Deus deixa de ser o princípio que fala ao homem, sendo substituído por outras vozes da natureza humana, cultural ou social. Aqui podemos falar de crise da profecia por falta de atenção a Deus que fala. Essa crise se traduz num cansaço e num esvaziamento do sentido da mensagem cristã. Nessa hora, é preciso voltar à fonte, para repetir com confiança as palavras ditas pelo apóstolo Pedro, depois de trabalhar toda a noite sem pescar nada: “Senhor, em atenção à tua palavra, vamos lançar as redes”.
A atenção profética da Igreja deve estar naquilo que é específico da sua missão, isto é, a salvação das almas. A Palavra de Deus deve servir para ensinar, orientar e convidar à conversão. Ao exercer sua missão profética, a Igreja lança sobre o mundo as sementes do Evangelho e a luz do amor misericordioso de Deus. Agindo assim, a Igreja ensina a Verdade que liberta o homem das mentiras criadas pelo próprio homem. Essas mentiras dão ao ser humano uma falsa imagem de si mesmo, como alguém capaz de assumir o controle da vida e da morte. Não é por acaso que, para suportar o peso das mentiras, seja necessário justificar o uso das drogas, aprovar o aborto, promover a violência da guerra e as desigualdades entre as pessoas. Sem a conversão do coração, não haverá mudanças.
A Igreja não pode deixar que sua missão profética se confunda com as ideologias humanas. Cabe à Igreja a palavra de discernimento, que separa o joio do trigo, que confirma a fé de seus filhos, indicando o caminho da Verdade; esse é o carisma de ligar e desligar, ensinado por Jesus. Mais do que buscar o que seja “politicamente correto” ou o que é aceito pela maioria, o compromisso da Igreja é com o Evangelho. Sem discriminação, ela apresenta a alegria do Evangelho, chamando todos à conversão. Na Igreja, como afirmou o Papa Francisco, “há lugar para todos”, mas é preciso ressaltar a clareza do Evangelho e da doutrina, para não perder a força da profecia.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba