Os meses temáticos foram criados com a finalidade de despertar e incentivar o debate social sobre temas de interesse público. Cada tema é associado a uma cor, e as pessoas usam um laço como símbolo do tema em discussão. Há uma diversidade de assuntos que vão desde questões de saúde até segurança, temas socialmente relevantes, conscientização, combate à discriminação, entre outros. Assim, alguns exemplos são: janeiro branco, que trata da saúde mental; abril azul, que conscientiza sobre o autismo; maio amarelo, que abre a campanha pelo trânsito seguro; junho vermelho, que incentiva a doação de sangue; novembro azul, que aborda o câncer de próstata.
Em agosto, a cor é o lilás e o tema é a proteção à mulher, um assunto de grande complexidade e atualidade. Os números sobre a violência contra a mulher são altos, mas a realidade é ainda pior, pois muitas vítimas não chegam a registrar uma ocorrência, o que significa que parte da violência permanece oculta. Por outro lado, esse tipo de violência ainda possui fortes traços culturais. Por exemplo, uma menina que testemunha a mãe sendo tratada com violência pelo pai poderá, no futuro, aceitar a violência contra ela mesma. O menino que presencia a violência do pai contra a mãe poderá reproduzir esse comportamento, considerando-o normal. Aqui entra em questão a educação e a formação humana para mudar ideias e atitudes.
Nesse contexto, a religião desempenha um papel importante, que é abrir espaço para a discussão desse tema e desfazer equívocos sobre a dignidade da mulher na Sagrada Escritura. No livro de Daniel, no início do capítulo treze, encontra-se o texto sobre Susana. Ela era uma mulher casada, muito bela e temente a Deus, que em certo dia foi tomar banho em um lago no jardim de sua casa. Dois homens se aproximaram de Susana com a clara intenção de estuprá-la. Pela sua resistência, Susana foi incriminada como adúltera com base no depoimento falso dos dois homens. Foi então que o jovem Daniel confrontou as testemunhas e, ao descobrir a mentira, fez recair sobre eles a condenação. Susana foi salva pela sua fé e confiança em Deus.
No Evangelho segundo São João, no capítulo oito, encontra-se a passagem em que os escribas e fariseus trouxeram a Jesus uma mulher acusada de adultério. A intenção era apedrejá-la, mas buscavam a confirmação da sentença por parte de Jesus. Chama a atenção o fato de o texto não mencionar o homem que cometia adultério com essa mulher. Diante do que foi apresentado, a fala de Jesus é impactante: “Quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra.” O que deveria ser um feminicídio tornou-se uma ocasião para a manifestação da misericórdia de Deus, e a dignidade da mulher foi restabelecida. O arrependimento levou os acusadores a se afastarem em silêncio, buscando talvez uma mudança de atitudes.
No capítulo cinco da carta aos Efésios, São Paulo trata da moral doméstica, falando da submissão da mulher ao marido. A questão é que São Paulo entende essa submissão na forma da relação de Cristo com a Igreja. A submissão, nesse contexto, significa acolher o cuidado e a proteção do marido, não abusos ou domínio violento. Infelizmente, contudo, ainda ouvimos algumas pessoas dizerem: “Meu marido ou companheiro é bom, porque ele não bate em mim”. O matrimônio cristão é um sacramento indissolúvel, que implica em uma relação de amor e doação do marido pela esposa, e vice-versa. No entanto, não há justificativa para manter uma relação de abuso e violência física, moral ou psicológica. Esposo e esposa têm igual dignidade como pessoas, e ao contraírem matrimônio, não se tornam escravos um do outro; eles recebem a graça sacramental para viver o amor cristão, que é sinal do amor de Deus pelo mundo.
A proteção da mulher é uma questão que exige um debate sério, assim como a aplicação das leis já em vigor ou a ampliação delas. Também é preciso fortalecer as iniciativas que oferecem suporte às vítimas, garantindo proteção contra os agressores. Antes de tudo, as vítimas precisam de segurança para conseguir falar sobre a dor e a violência sofrida. O segundo ponto é não julgar as vítimas como pessoas fracas ou sem atitude; às vezes, o medo e a vergonha são mais fortes do que a vontade de fazer uma denúncia. Quebrar o silêncio e denunciar uma agressão são providências que podem ser tomadas pela vítima, por um familiar ou por amigos. O que importa é interromper a violência contra a mulher.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba