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Cara ou coroa, joio ou trigo?

Publicado em 27 de julho de 2023 - 15:44:03

A moeda é uma das formas mais antigas daquilo que conhecemos como dinheiro e que usamos para fazer transações comerciais. As moedas trazem, de um lado, o seu valor e, do outro, uma figura que é a representação de algo ou de um personagem simbólico ou real. Com o tempo, os "dois lados da moeda" também passaram a ser usados como uma forma de decidir ou fazer escolhas. Isso porque, no "cara ou coroa", ao se jogar a moeda, ganha quem acerta qual das faces cai voltada para cima. Embora a moeda tenha duas faces, elas são bem distintas. Tão diferentes e muitas vezes até conflitantes podem ser as escolhas feitas dessa maneira.

Quando pensamos na misericórdia divina, no entanto, é preciso considerar que ela também tem duas faces distintas, mas que se complementam: a paciência e a justiça. As duas estão unidas, e é impossível separá-las porque a misericórdia sempre acontece através dessas duas realidades. Ou seja, Deus é paciente e justo em todas as suas decisões e julgamentos. A história do povo de Deus é rica em relatos e detalhes que demonstram a misericórdia divina fundamentada nesses dois critérios. Jesus é a manifestação visível da misericórdia do Pai, e por Ele tem início o Reino. Nas parábolas, Jesus apresenta o Reino por meio de imagens e comparações.

Na parábola do trigo e do joio, por exemplo, há diversas imagens e personagens: o proprietário da terra, os empregados, o inimigo, a noite, a colheita, as sementes do trigo e do joio. Trata-se de uma comparação com o Reino de Deus, e foi a respeito dela que os discípulos pediram uma explicação a Jesus. A explicação dada pelo Senhor torna explícito o caminho da misericórdia divina e, novamente, demonstra a paciência e justiça de Deus como dois critérios inseparáveis. Diferentemente do "cara ou coroa", quando se trata da misericórdia de Deus, uma das faces não exclui a outra. A paciência não exclui a justiça e vice-versa.

Na parábola, quando o proprietário da terra foi informado de que o joio e o trigo cresciam juntos, ele parece não se importar e não apressa a retirada do joio. Os empregados tinham pressa, mas o proprietário teve paciência e esperou que tanto o trigo quanto o joio dessem seus "frutos". Quando o tempo da colheita chegou, no entanto, joio e trigo foram separados e destinados a lugares diferentes: o celeiro para o trigo, a fornalha para o joio. A espera pelo tempo certo da colheita demonstra a paciência de Deus conosco, mas a hora da colheita indica que o tempo da justiça também chega.

A misericórdia é paciente porque permite o crescimento das sementes que foram lançadas. Arrancar o joio antes do tempo põe em risco o trigo. Mas separar o joio do trigo no devido tempo é justiça, pois cada um teve o tempo necessário para produzir seus "frutos". A ideia de colheita ou de julgamento parece um pouco assustadora e mesmo contraditória. Isso acontece quando se toma a misericórdia divina de modo equivocado, isto é, como uma desculpa para se viver uma vida sem as consequências das próprias atitudes. Nossas escolhas geram frutos de trigo ou de joio e, consequentemente, no tempo devido, seremos recolhidos para o celeiro ou para a fornalha. No campo, o joio não pode virar trigo, mas nós temos a opção, a liberdade, de nos convertermos, transformando nossas atitudes e convertendo nossos frutos de joio em trigo.

A parábola nos ensina que é preciso tomar a vida e nossas atitudes com seriedade e responsabilidade. Ainda que busquemos com o devido cuidado as boas sementes, existe o risco do joio, isto é, das tentações, das coisas mais fáceis, das coisas ocultas e assim por diante. O inimigo está sempre pronto para lançar o joio. A surpresa da parábola é a paciência de quem semeou a boa semente e espera pela hora da colheita. Deus é paciente e espera que apareçam os bons frutos, mas Ele também é justo e, no tempo devido, fará a colheita. Por isso, é preciso usar nosso tempo aqui para trabalhar e produzir os bons frutos, sempre confiando em Deus, pois a vida não é um jogo e nosso último destino após a "colheita" não será decidido no "cara ou coroa".

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba

 

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