O Papa João Paulo II estudou o coletivismo para "extrair as lições do que considera um fracasso irreversível: por isso, a sua análise orienta-se sobretudo para um estudo das causas desse fracasso. O capitalismo é, por sua vez, um sistema vivo e que se erige como a única alternativa viável: o que preocupa então João Paulo II é examinar eticamente as condições desta viabilidade" (p.192). Há um "esquema comum que se aplica em ambos os casos: a distinção dos três níveis, que recebem a designação de sistema econômico, sistema político e sistema ético-cultural" (p.193).
Para o Papa João Paulo II, o sistema econômico do coletivismo "é a planificação centralizada: seu sistema político, o totalitarismo; o marxismo é o sistema ético-cultural que serve de base a ambos. Centesimus annus volta uma e outra vez a referir-se ao marxismo, sempre numa postura crítica. Através dessas críticas, pode compreender-se como elas atacam as bases mesmas do sistema econômico de planificação e do totalitarismo político. A passagem em que esta crítica é mais sistemática é aquela em que se expõem os três grandes erros do ’socialismo’ (CA 13-14)" (p.195).
O primeiro erro do socialismo é considerar "todo o homem como um simples elemento e uma molécula do organismo social, de maneira que o bem do indivíduo se subordina ao funcionamento do mecanismo econômico-social. Por outro lado, considera que este mesmo bem possa ser alcançado à margem de sua opção autônoma, assumida em responsabilidade, única e exclusiva, diante do bem e do mal. O homem fica assim reduzido a uma série de relações sociais, desaparecendo o conceito de pessoa como sujeito autônomo de decisão moral (CA 13a)" (p.195).
O segundo erro é o marxismo querer "organizar a sociedade anulando a liberdade humana porque pensa que o homem não é capaz de optar pelo bem. Por isso, ao mesmo tempo que se vai privá-lo de sua capacidade de opção livre, estabelecem-se mecanismos que decidam em seu lugar. Tenta-se assim suprir uma suposta incapacidade de acertar no que é bom e garantir uma escolha adequada. Planificação econômica e totalitarismo político não são senão o resultado desse pressuposto nos dois âmbitos essenciais da vida social" (p.196). A antropologia cristã confia na capacidade da escolha do bem em vez do mal.
O terceiro erro é o socialismo "arrogar-se o exercício de um poder absoluto (CA 44b)" (p.197). "Esse poder absoluto acaba por se atribuir o direito de definir em cada caso o que é a verdade. Esta é a raiz de todo o totalitarismo: a negação de uma verdade objetiva e transcendente, e por conseguinte, ’a negação da dignidade da pessoa humana, imagem visível do Deus invisível e, precisamente por isso, sujeito natural de direitos que ninguém pode violar (ib)" (p.197). "As causas do fracasso histórico do coletivismo coincidem com as razões profundas de sua falta de legitimação" (p.197).
Quanto ao capitalismo, Centesimus annus afirma que seu sistema econômico é o mercado; "seu sistema político, a democracia. Quanto ao sistema ético-cultural, a encíclica não utiliza nenhum termo concreto para designá-lo; no entanto, as referências a ele são frequentes e importantes. A validade do sistema econômico capitalista é equacionada explicitamente quando João Paulo II se pergunta se este é o modelo que deve ser proposto aos países ex-comunistas e ao terceiro mundo para buscar a via do verdadeiro progresso" (p. 198). A Doutrina Social da Igreja não aceita nem o socialismo nem o capitalismo selvagem.
Pe. Antônio Carlos D’Elboux
Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus
Saltinho – SP
Referência:
CAMACHO, Ildefonso. Cristãos na Vida Pública. Coimbra, Gráfica de Coimbra, sem ano.