As encíclicas sociais sempre respondem a temas concretos da realidade. A Centesimus Annus, do Papa João Paulo II, atualizou a encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, explicando a queda do coletivismo: "a violação sistemática dos direitos dos trabalhadores por um regime que se apresenta como seu defensor e porta-voz (CA 23b) e a ineficácia de um sistema econômico que viola direitos fundamentais (iniciativa, propriedade, liberdade econômica) e distorce a cultura dos povos e seus sentimentos nacionais (CA 24). Tudo isso obriga a rever a antropologia marxista e as formas políticas derivadas dela [...] (CA 25)" (pp.182-183).
A queda do coletivismo trouxe várias consequências, sendo a primeira o reencontro da Igreja com o movimento operário, que tinha sido como que sequestrado pela ideologia marxista, mas volta com o apoio de muitas pessoas de boa vontade; a segunda é a reconstrução de uma verdadeira Europa unida (CA 27). "A terceira consequência afeta especialmente os países ex-comunistas e sua necessária reconstrução (CA 28): a solidariedade com eles é um dever de justiça; mas não pode servir de desculpa para marginalizar o terceiro mundo, onde as condições de pobreza são bastante mais graves" (p.183).
A procura de uma "ordem econômica justa há de basear-se no trabalho livre, na empresa e na participação: nela, o mercado há de estar submetido a controle e a empresa há de ser uma verdadeira comunidade de pessoas (CA 35bc)" (p.186). João Paulo II assinala dois problemas específicos das economias mais avançadas: "o consumismo, que é denunciado como a forma mais radical de alienação, já que supõe uma orientação que prefere o ter sobre o ser (CA 36)" (p.186) e a questão ecológica, pois a deteriorização crescente da natureza obriga o Estado a interessar-se por esses bens coletivos.
A Igreja não tem um modelo próprio para solucionar os problemas apontados nas encíclicas, nem é sua missão. Ela pode, porém, sugerir orientações: "reconhece os valores do mercado e da empresa, mas na condição de estarem orientados para o bem comum (CA 43a), e favorece a eficácia do trabalho, a participação e os movimentos associativos de trabalhadores (CA 43b)" (p.187), sempre em vista do futuro, vendo não somente a dimensão socioeconômica do capitalismo, mas também as dimensões política e cultural. Centesimus Annus defende o Estado de direito para proteger a liberdade das pessoas.
A encíclica Centesimus Annus mostra as competências do Estado: "proteger e garantir o exercício dos direitos econômicos e sociais, ainda que não se possa pedir que os assegure diretamente a todos (CA 48b), intervir diante de uma situação de monopólio e atuar de forma subsidiária quando as circunstâncias o exigirem (CA 48bc)" (p.189). João Paulo II insiste em mostrar "a importância das organizações sociais e a solidariedade social como complemento do Estado (CA 49)" (p.189) e ressalta a construção de uma cultura de paz, na qual a Igreja deve dar "uma eficaz contribuição para sua consolidação (CA 51ab)" (p.190).
Os eixos fundamentais da encíclica Centesimus Annus são que "a doutrina social tem seu centro no homem (CA 53-56) e é um apelo à ação (CA 57-60)" (p.190). "Mas, sobretudo, deve ser levada à ação, já que isso é a única coisa que a torna credível (CA 57). Ora bem, não será credível se não se traduz numa verdadeira opção preferencial pelos pobres (CA 57b) e se não ganha corpo na promoção da justiça, que exige uma verdadeira mudança de estilo de vida no quadro de uma economia planetária (CA 58). Esta tarefa, em que o dom da graça acompanhará a liberdade dos homens (CA 9ab), há de ser tarefa de todos (CA 59cd, 60)" (p.191).
Pe. Antônio Carlos D’Elboux
Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus
SALTINHO – SP
Referência:
CAMACHO, Ildefonso. Cristãos na Vida Pública. Coimbra, Gráfica de Coimbra, s/ano.