O primeiro objetivo da encíclica do Papa João Paulo II Centesimus Annus, celebrando os 100 anos da publicação da Rerum Novarum pelo Papa Leão XIII, foi mostrar a fecundidade desta encíclica voltando, portanto, ao passado. “O ponto de partida é uma breve descrição daquela história, a radicalidade das mudanças políticas e econômico-sociais que se produziram e a divisão da sociedade em duas classes (CA 4). Tudo isto explica a publicação da Rerum Novarum, a sua denúncia da situação e a situação que propõe (CA 5abc)”.
Entre todas as encíclicas papais Rerum Novarum é uma das mais destacadas.
Centesimus Annus enumera as principais contribuições da Rerum Novarum, aplicando-as ao presente: a dignidade do trabalho como chave do texto de Leão XIII (CA 6a), o direito à propriedade privada e a sua relação com o destino universal dos bens (CA 6bc); o direito natural a formar associações (CA 7a), a um salário justo (CA 8), o direito a cumprir os deveres religiosos e a necessidade de descanso festivo (DA 9). No final, como resumo, uma menção da ‘correta concepção da pessoa humana e do seu valor único’ (CA 11c), que já foi adiantada na introdução (CA 3d), serve de conclusão a todo o capítulo” (pp. 177-178).
Onde mais se percebe que o Papa João Paulo II está fazendo uma releitura da Rerum Novarum é “na prioridade que se atribui ao trabalho humano, considerado como ‘chave de leitura do teto leonino’ (CA 6a). É também significativa a forma de interpretar a Rerum Novarum como uma primeira realização do que hoje se chama ‘opção preferencial pelos pobres’ (CA 11a)” (p. 178). Destaca-se ainda o empenho em salientar que a Doutrina Social ‘pertence à sua missão evangelizadora e faz parte essencial da mensagem cristã’ (CA 5e), e que ‘o mundo moderno tem urgente necessidade’ da nova evangelização (CA 5f).
Na Centesimus Annus o Papa João Paulo II destaca a clarividência de Leão XIII em apontar os erros do socialismo: “o seu erro fundamental, que é a sua falsa concepção do homem (CA 13ab); a razão deste erro, que é o seu ateísmo (CA 13 cd); a consequência mais importante de tudo isto, optar pela luta de classe como principal meio de ação para transformar a sociedade (CA 14). A encíclica também descreveu a progressiva reforma da sociedade e do papel do Estado, “que assumiu a dupla tarefa de salvaguardar as condições fundamentais de uma economia livre (CA 15ª) e garantir os direitos dos trabalhadores (CA 15bcd)” (p. 180).
João Paulo II também salienta os aspectos negativos da sociedade: “não terem acolhido plenamente o anúncio profético da Rerum Novarum (CA 16b). A falsa concepção da liberdade humana, que deriva daí, explica o ciclo das guerras entre 1914 e 1945 (CA 17), assim como a situação em que fomos vivendo desde 1945, em que a ausência de guerra não significa a existência de uma verdadeira paz (CA 18)” (p. 180). A Centesimus Annus destaca “a incompatibilidade entre a antropologia cristã e a marxista como reflexo de duas posições irreconciliáveis” (p. 181).
A encíclica afirma que o “marxismo parece também ser o responsável principal, e quase único, da tensão entre os blocos, que caracterizou os últimos quarenta anos da história mundial (CA 18b). Ele tem sido a maior ameaça tanto para os países destruídos pela guerra (CA 19 bcd) como para as novas nações descolonizadas (20)” (p. 182). Todas essas afirmações do Papa João Paulo II fazem com que a encíclica do Papa Leão XIII tenha um grande destaque entre os documentos papais, tornando a Rerum Novarum a encíclica mais estudada e atualizada no mundo cristão.
Pe. Antônio Carlos D´Elboux
Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus
Saltinho – SP
Referência:
CAMACHO, Ildefonso. Cristãos na Vida Pública. Coimbra, Gráfica de Coimbra, sem ano.