O costume de dedicar o espaço para o culto, ou seja, a consagração de uma igreja, é bastante antigo. Na Sagrada Escritura encontra-se uma minuciosa descrição tanto da construção como da reconstrução do templo de Jerusalém e de sua nova dedicação no tempo do Macabeus. Na era cristã esse costume se manteve e após construir uma nova igreja acontece rito de bênção e consagração do altar. Também são abençoados o ambão ou estante da Palavra, a pia batismal, o sacrário e a cátedra onde o bispo diocesano se senta para presidir a liturgia.
Recentemente circulou pelas redes sociais um vídeo onde aparece uma igreja, com belos vitrais e arquitetura antiga que foi transformada em bar. O vídeo não é montagem e nem é falso, ele retrata uma realidade. Isso aconteceu num país da Europa, mas não é primeira vez, fazendo uma rápida pesquisa pela internet é possível encontrar outras igrejas que já passaram por esse processo. É possível encontrar também mosteiros e conventos que foram transformados em restaurantes, hotéis e pousadas. Esse vídeo causou escândalo em muitas pessoas e levou a uma pergunta: por que isso aconteceu com uma igreja?
Esse não foi um processo repentino e isolado, já vem acontecendo ao longo de décadas e se chama secularização. Também não é processo minuciosamente planejado por etapas ou dirigido por uma organização central. Esse processo vem através de ideias e mudanças no comportamento, sobretudo dos próprios católicos. Começa com perguntas simples sobre a necessidade de Deus, num mundo que tem respostas cientificas e tecnológicas para os dramas humanos; passa pela mudança no comportamento de famílias que não se importam em passar a fé aos filhos.
As mudanças afetam muito a vida sacramental dos católicos que deixam de ir à missa dominical, que preferem um casamento ao ar livre, numa praia ou numa cachoeira. Católicos que consideram a religião uma questão de escolha pessoal dos filhos, por isso, menos batizados e menos crismas. A vida espiritual, a oração e as práticas penitenciais foram simplesmente substituídas por outras coisas, como livros de autoajuda, espiritualidades outras e mesmo as academias. Gasta-se mais tempo cuidando do corpo do que da alma imortal. Então, para que serve uma igreja?
Neste contexto, é preciso considerar que o processo que parece distante da nossa realidade, não está. Ainda temos um fluxo de pessoas, de jovens e crianças participando das celebrações, principalmente nas datas especiais. Mas até quando isso vai durar? Quantos católicos não trocam os dias santos, como a Páscoa e o Corpus Christi, por um pacote de viagem e descanso na praia ou num resort “all inclusive”? As ideias e costumes seculares já fazem parte do nosso dia e também aqui caminhamos a passos largos para esvaziar as igrejas, mudando a sua finalidade.
Na semana que passou celebramos os sessenta e um anos da dedicação da nossa igreja catedral e é importe celebrar essa data. Mas é fundamental renovar a consciência de que cada batizado é igreja, que precisa vivenciar e celebrar a sua fé. Os sacramentos foram dados à Igreja para enriquecer a vida espiritual dos fiéis e eles devem ser celebrados na comunidade. As novas gerações precisam ser inseridas na comunidade eclesial e se hoje nos escandaliza que uma igreja foi transformada em um bar ou restaurante, não é porque Deus abandonou a Igreja, mas é porque o povo abandonou a Deus.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba