No final do ano letivo acontece em algumas escolas uma cena que não é nem interessante, nem educada. Alguns alunos rasgam cadernos e livros, jogando-os pelas calçadas e ruas, na tentativa de apagar as lembranças do ano que termina. Uma cena triste. Desprezar ou tentar apagar lembranças é uma coisa comum nos dias de hoje, a perda das memórias é sinal da sociedade do descarte. Isso também pode acontecer com as coisas que dizem respeito à experiência de fé e à religião.
Em muitos países, o processo de apagar as lembranças da fé já começou, seja pela retirada dos símbolos religiosos ou pelas restrições à expressão pública da fé, ou ainda, pela mudança e supressão de termos de cunho religioso. No lugar daquilo que é religioso, se coloca, geralmente, alguma coisa que tem valor econômico. Isso é o que está acontecendo com o Natal e a Páscoa, mas outras comemorações também já estão sendo modificadas, como Dia das Mães ou Dia dos Pais. Os valores cristãos incomodam.
Segundo relato dos Atos dos Apóstolos, após a ressurreição, Jesus apareceu aos seus discípulos, conviveu algum tempo com eles e inclusive fez uma refeição. No momento da Ascensão do Senhor, os discípulos ficaram parados, paralisados pela visão de Jesus subindo aos céus. Os discípulos foram despertados dessa condição pela pergunta de dois homens: “Por que ficais parados, olhando para o céu?”. Talvez os discípulos quisessem registrar aquela lembrança, guardando os detalhes do que viam.
A questão é que os discípulos não foram chamados para guardar uma lembrança de Jesus, mas para serem suas testemunhas. O mesmo se aplica à Igreja. Ela não existe para nos ajudar a lembrar de Jesus e nem repetir datas comemorativas sobre a vida d’Ele. A Igreja e os discípulos têm o compromisso de anunciar e testemunhar a Verdade do Evangelho, enfrentando resistências e oposições como o Senhor. Por isso, de forma nenhuma a Igreja pode adaptar a Verdade à vontade de quem quer que seja.
A paralisia dos discípulos e o descuido do anúncio da Verdade nos tornam uma Igreja frágil e omissa. Uma Igreja assim não passa de um museu cheio de observadores. Nas palavras do Papa Francisco: “museu folclórico de eremitas localistas, condenados a repetir sempre as mesmas coisas, incapazes de se deixar interpelar pelo que é diverso e de apreciar a beleza que Deus espalha fora das suas fronteiras” (Evangelii Gaudium, 234). O que estamos fazendo com o Evangelho?
A Igreja e os discípulos devem caminhar na força do Espírito, apresentar a pessoa de Jesus e proclamar o Evangelho em toda parte, com palavras e atitudes. A coragem do anúncio não é uma virtude humana, mas uma graça do Espírito. É isso que garante a força do testemunho. Podem tentar apagar sinais visíveis da fé cristã, as lembranças, mas não podem destruir a Graça que nos impulsiona a viver a fé. O testemunho, mesmo silencioso, continua sendo um grito e uma afirmação da esperança cristã.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba