Transmitir e oferecer a fé

A energia elétrica que chega às nossas casas vem através de linhas de transmissão, percorrendo longas distâncias. Parte da vida cotidiana depende exclusivamente dessa energia e quando, por algum motivo, a transmissão é interrompida isso causa um grande transtorno. A falta de energia afeta o trânsito e o transporte, a produção industrial, as operações de comércio, o trabalho nos hospitais, as atividades domésticas entre outras tantas coisas. A energia usada não é simplesmente oferecida, ela tem um custo, que pode variar nos meses do ano, de acordo com as condições de produção.

A fé é uma experiência que precisa ser transmitida e oferecida. No início do cristianismo, os convertidos eram na sua maioria jovens ou adultos. Pessoas que tiveram contato com a pregação apostólica ou conviveram com alguém já convertido, geralmente servos, e viam sinais e mudança de vida. A vida dos cristãos exercia uma grande capacidade de atração, era uma novidade alegre e comprometida, uma fé ao mesmo tempo silenciosa e provocativa pelos seus frutos. Nesse ambiente a transmissão da fé aconteceu por aproximação com os cristãos e pelo seu testemunho.

Com a passar do tempo, as famílias cristãs assumiram a tarefa de passar a fé aos seus filhos, daí o batismo de crianças. As famílias iniciavam seus filhos na vida cristã, na prática da oração, na formação dos hábitos e costumes. O ensinamento era prático, isto é, as crianças aprendiam convivendo com os pais, irmãos e familiares. Além disso, o ambiente social ao redor também oferecia elementos facilitadores de aprendizado e vivencia da fé. Nesse contexto a Igreja era um ambiente celebrativo, um reforço para a vida familiar e social, um lugar para alimentar a fé que era vivida no dia a dia.

Em algum momento histórico-cultural, teve início um processo sutil e gradual de uma separação entre a fé e a vida, além da diminuição do testemunho cristão na vida social. Diversas causas levaram a isso, transformando profundamente a transmissão da fé. Se a princípio o processo foi sutil, hoje ele é claro e aberto. O problema não é que o Estado seja laico, aliás, isso é positivo porque cria imparcialidade nas decisões e evita privilégios. O problema está na elaboração de barreiras para impedir as manifestações públicas da fé, seja retirando símbolos, proibindo expressões ou criando um controle das redes sociais.

Tudo isso afeta diretamente a presença pública do cristianismo. Mas é ainda mais grave quando as famílias não assumem o papel de protagonistas na transmissão da fé aos filhos. Não é suficiente colocar uma criança na catequese, da mesma forma que se matricula num curso de inglês, na aula de natação ou bale. É preciso acompanhar a criança no crescimento da fé, na vida sacramental e de oração. É preciso ir à missa e não apenas encaminhar a criança para catequese e para a missa. A transmissão da fé se dá mais pelo exemplo e testemunho do que pelo aprendizado de um conteúdo religioso.

Num contexto social desfavorável não cabe desanimo, não é a primeira vez que os cristãos são colocados à prova para manter viva a chama da fé. O primeiro passo é ajudar as famílias a redescobrirem o caminho que leva à transmissão da fé, mesmo em meio aos novos desafios. O segundo é apresentar, oferecer generosamente a alegria do Evangelho ao mundo, pela vida simples e verdadeira. O que não é possível fazer pelas palavras ou pelos sinais externos, se pode fazer com o testemunho. Foi assim que os primeiros cristãos fizeram. Temos muito a aprender com eles.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba