O tema da propriedade tem um grande destaque na Doutrina Social da Igreja (DSI) desde a Rerum Novarum, onde tornou-se o ponto central da polêmica com o socialismo. Também em nenhum outro ponto “se produziu uma evolução tão significativa que tenha conduzido a uma maturidade doutrinal de grande interesse” (p.116). E isso aconteceu em face “ao grave problema que constitui a ‘questão social’ (isto é, a situação de miséria a que a sociedade moderna industrial condenou uma boa parte da população)” (p.116). As alternativas foram duas: a socialista, rejeitada, e a que a reconhece como direito derivado da própria natureza humana.
As razões para a encíclica Rerum Novarum rejeitar a solução socialista foram quatro: “prejudica os próprios trabalhadores, vai contra os direitos naturais da pessoa, perturba a função do Estado e prejudica a paz social. Destas razões há que destacar a segunda. É a mais desenvolvida e onde aparecem os argumentos de maior interesse. Os ditos argumentos são dois: o primeiro baseia-se no caráter racional do homem; o segundo, no sentido do trabalho humano” (p.117). “O caráter racional do homem permite prever o seu próprio futuro e converter-se como que em providência para si mesmo” (p.118).
A encíclica contém outras afirmações complementares: “Referimo-nos, pelo menos, a duas. A primeira ocupa-se das obrigações derivadas da condição de proprietário. Leão XIII afasta-se agora com clareza das posturas liberais, que se limitava a afirmar um direito, que se pode exercer sem nenhum tipo de restrição. Para ele, o direito de propriedade não é absoluto. Porque, segundo a tradição cristã, o homem não é o senhor dos bens, mas tão só administrador, e isso obriga-se a sair em ajuda do necessitado. Por isso o tema da esmola ocupa um lugar destacado também na encíclica (RN 13-16)” (p.120).
Leão XIII também responsabiliza “o Estado em ordem a que todos tenham acesso à propriedade privada. Uma vez que o acesso a esta é direito natural do homem, todo o ser humano deve chegar a ser proprietário. O liberalismo opor-se-ia com todas as suas forças a atribuir semelhante tarefa ao Estado, já que com isso se violaria o princípio quase dogmático do livre jogo das forças do mercado” (p.120). Rerum Novarum “recomenda ao poder político que vele para que o trabalhador receba um salário justo que lhe permita algum aforro, já que esta é a via de acesso normal à propriedade (RN 33)” (p.120).
A proposta da Rerum Novarum poderia ter funcionado: “uma ordem social baseada no respeito para com a propriedade privada; proprietários conscientes da sua condição de administradores e dispostos a desprenderem-se dos bens supérfluos; um Estado que não só defende os proprietários mas que envida esforços também para que todos cheguem apossuir o seu próprio patrimônio” (p.121). Mas os fatos mostraram que “o desenvolvimento do capitalismo não propiciava uma melhoria da distribuição dos rendimentos, nem fomentava a sensibilidade social dos proprietários e a sua disponibilidade para repartir” (p.121).
Na encíclica Quadragesimo Anno o Papa Pio XI denunciava o endurecimento do capitalismo e insistiu na “dupla dimensão, individual e social, do direito de propriedade. Só mantendo o equilíbrio é possível evitar os dois extremos igualmente perigosos: o individualismo e o coletivismo (QA 46). No entanto, ainda que seja possível distinguir entre o direito de propriedade e o seu exercício, o respeito para com o direito nunca poderia permitir que o uso abusivo do mesmo conduzisse à sua perda (QA 47). Por outras palavras, Pio XI acaba por excluir qualquer forma de expropriação” (p.121).
Pe. Antônio Carlos D´Elboux
Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus
Saltinho – SP
Referência:
CAMACHO, Ildefonso. Cristãos na Vida Pública. Coimbra, Gráfica de Coimbra,