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É possível “dar carteirada” na vida espiritual?

Publicado em 27 de março de 2023 - 14:13:09

A expressão “dar uma carteirada” significa que uma pessoa que tem uma posição social, função, cargo ou uma amizade, usa disso para conseguir algum proveito pessoal. Outra forma de entender essa expressão é o tráfego de influência, o favorecimento, o abuso de autoridade ou o bem conhecido “dar um jeitinho”. A carteirada é um recurso ilícito, mas infelizmente é usado em quase todas, senão em todas, as atividades humanas. Quando alguém usa esse recurso está buscando um privilégio que supõe ter certo direito, seja pelo poder ou pela amizade. Quem nunca presenciou uma situação como essa? Quem já passou por isso sabe como é constrangedor.

Para algumas pessoas isso parece não incomodar e, ao contrário, torna-se uma prática de corrupção. Prática que vai contaminando o hábito, a maneira de ser e de pensar e, com o tempo, adormece a consciência e o que antes era errado, mesmo que continue sendo errado, se torna habitual e corriqueiro. Quanto maior é a corrupção da consciência, mais extensas são suas consequências. Uma sociedade doente com esse mal não é capaz de reconhecer a injustiça que isso provoca com os mais fracos e mais simples. Aqueles que não podem se defender ou exercer alguma influência acabam sendo oprimidos ou relegados a segundo plano. Seria possível levar essa prática para a vida espiritual?

Jesus era amigo de Lázaro, de Marta e Maria, ele ficou sabendo da doença do amigo quando estava a alguns quilômetros da casa deles. Jesus não se apressou para ir ao encontro deles, algo que parece estranho uma vez que, ele e seus discípulos já haviam sido hospedes da família. Era uma amizade consolidada, mas aparentemente isso não motivou uma reação imediata de Jesus. Quando Jesus resolveu ir ao povoado de Betânia, parecia que já era tarde demais. Percebendo que Jesus estava próximo Marta saiu ao encontro dele, e lhe disse: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido!” Essa mesma frase será dita por Maria, a outra irmã de Lazaro.

Talvez da parte de Marta e Maria ocorressem certos questionamentos: por que Jesus não estava lá para curar Lazaro? Por que ele não se apressou quando foi avisado ou por que não curou o amigo à distância como fizera com o servo do centurião romano? A cura do amigo não seria um gesto de gratidão e amizade da parte de Jesus? Porém, o relacionamento com Deus não está baseado numa troca de favores e nem numa maior ou menor influência junto a Ele. As nossas orações, pedidos e súplicas não podem ser vistas como uma forma de influenciar a vontade de Deus e muito menos como objeto de troca para mudar o rumo das coisas.

Jesus chorou a morte do amigo Lázaro e sofreu com a dor das suas irmãs, mas não agiu contrariamente à vontade de Deus. O que ele fez em Betânia foi para manifestar o poder de Deus e, por isso, chamou Lázaro para fora do túmulo. Não é possível tratar a Deus como alguém que nos deve favores e nem rezar para exigir que faça apenas o que estamos pedindo. A experiência da fé cristã nos leva a reconhecer em Jesus aquele nos salvou sem nenhum merecimento da nossa parte. Uma fé madura não procura favoritismos ou compensações. A maturidade da fé leva a uma escuta sincera da Palavra e à correção dos costumes e hábitos corrompidos pelo pecado.

 

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba

 

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