Temos percorrido um longo caminho como seres humanos e um caminho marcado por muitas conquistas. Basta pensar em como os nossos antepassados tinham muito mais dificuldades para fazer a maioria das coisas que fazemos hoje com certa facilidade. Por exemplo, para percorrer distâncias maiores, eles gastavam dias, semanas ou até meses enquanto hoje podemos fazer em questão de horas, usando carros ou aviões. As distâncias não diminuíram, mas o que aumentou foi a capacidade do homem de se locomover usando a força das invenções humanas. Mas, para isso, existe um preço a pagar.
Essa capacidade de inventar e inovar para facilitar a vida também foi usada em benefício daqueles com alguma deficiência. Pensemos, por exemplo, nos óculos que permitiram corrigir problemas da visão ou as próteses que ajudam pessoas sem as pernas a caminhar e correr. Pensemos também nos transplantes de órgãos, alguns usando próteses artificiais, outros de doadores humanos. Muitas vidas são salvas assim pelos avanços da medicina e da tecnologia. Mas isso não está disponível para todos.
Falando em tecnologia, devemos considerar a grande capacidade de produzir alimentos. Uma visita aos supermercados mostra quantos produtos à disposição, alimentos processados e naturais. Vegetais em quantidade e variedade, além das frutas nacionais e importadas, antes desconhecidas e que agora podem ser encontradas praticamente o ano todo. Claramente, a tecnologia aumentou a capacidade de produzir mais e melhor. É indiscutível que vivemos num mundo melhor. Mas todas as pessoas têm acesso a esses avanços?
Apesar de tudo isso, existe algo que o homem não foi capaz de corrigir: a consequência do pecado. Os avanços tecnológicos e científicos deram ao homem uma sensação de autossuficiência, de capacidade para resolver todos os problemas e ajustar as deficiências. Se de uma parte a humanidade parece ter avançado muito, de outra ainda imperara o egoísmo, as desigualdades, as injustiças e a violência. O homem sem Deus parece ter avançando no conhecimento tecnológico, mas exatamente porque se afastou de Deus, também se afastou de si mesmo.
O homem sem Deus, sem os princípios e valores transmitidos pela Palavra de Deus, desenvolve uma espécie de “cegueira” em relação ao próximo e torna-se incapaz usar seu conhecimento e capacidade para o bem comum. O egoísmo transformou os avanços e conquistas em produtos de consumo, para quem pode pagar o preço do mercado. Essa cegueira faz parecer que as desigualdades são normais. A indiferença não permite ver as pessoas caídas na rua, os que enfrentam filas de espera por uma consulta ou transplante, os refugiados e crianças que pedem ajuda nos semáforos. Essa cegueira tem muitos nomes e muitas faces.
Sem a luz da Palavra de Deus a pessoa humana permanece às cegas, deixando-se guiar pela voz das ideologias, das propostas políticas e principalmente pelo egoísmo e autossuficiência. O pecado está na origem de todo esse mal, que deixa o homem cego diante da realidade da vida e dos sofrimentos dos outros. Jesus curou o cego de nascença e revelou a cegueira dos fariseus e mestres da Lei, que não viram os sinais do Reino e nem a realidade à sua volta. A cura da cegueira, da indiferença, da injustiça e da violência começa pela escuta da Palavra do Filho de Deus e passa pela conversão do coração.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba