Sem dor, sem ganho

A expressão “sem dor, sem ganho” é muito comum no ambiente dos exercícios físicos e do esporte. A ideia sobre essa expressão é a de que, sem trabalho e sem dedicação, não é possível conseguir o objetivo desejado. Essa ideia passou a ser aplicada a outros ambientes, inclusive corporativo e empresarial, porque tem um cunho motivacional e de competição sobretudo no trabalho em equipe. A relação entre esforço e conquista, quando bem aplicada, tem o seu valor e a sua importância.

No século V, um certo Pelágio, bispo, entrou em controvérsia com Santo Agostinho sobre a questão da graça e da salvação. Segundo Pelágio, o homem seria capaz de alcançar a salvação pelas próprias forças, sem precisar da graça de Cristo. Do outro lado, Agostinho afirmava que a salvação era graça de Deus, concedida ao homem, pelo sacrifício de Cristo na Cruz. Na disputa, a doutrina pelagiana acabou sendo condenada como heresia e foi confirmado o dogma de fé sobre a necessidade da graça para a salvação humana.

O Papa Francisco, em algumas de suas falas, tem expressado preocupação com uma forma de neopelagianismo, fruto do individualismo e de um espiritualismo intimista sem raízes na comunidade. Nesse contexto equivocado, Jesus aparece como um modelo que inspira ações generosas e inclusivas, mas não promove uma mudança ou uma transformação dos costumes. Para esses, Jesus é somente o “Bom Samaritano”, mas não o Salvador. Na prática, trata-se de um erro antigo, que toma uma roupagem nova. O homem que passa a substituir a Graça Redentora pela própria razão e inteligência.

A vida cristã tem início com o batismo e vai se desenvolvendo ao longo do caminho. No início, os pais e padrinhos têm a tarefa de ajudar o recém batizado a dar os primeiros passos. Depois, cada batizado precisa corresponder, por meio de palavras e atitudes, àquilo que é próprio da vida cristã. Dessa forma, podemos falar que a vida cristã demanda um esforço pessoal para alcançar os seus objetivos. A graça é dada pelo sacramento e garante, antecipadamente, a via de salvação, mas é preciso cooperar com ela pelas atitudes e testemunho. 

No intuito de cooperar com a graça é preciso aprender a renunciar e a fazer escolhas condizentes com a vida cristã. Pois não pode haver vida cristã sem a força da graça divina, somente ela pode gerar novos filhos de Deus e abrir o caminho para a salvação. A colaboração humana não se sobrepõe à primazia da graça, mas expressa publicamente a sua força, quando os cristãos vivem movidos por ela, testemunhando a fé, a esperança e a caridade. A quaresma é tempo propício para aprofundar o nosso caminho de conversão, pela penitência, jejum, esmola e oração. Sem a graça de Deus e sem renúncias e escolhas coerentes, não há vida cristã.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba