Caráter e competência

Caráter e competência são duas qualidades pessoais que têm origens diferentes. Enquanto o caráter se forma a partir das experiências de relacionamento humano, a competência está mais ligada aos conhecimentos teóricos e práticos. Ambas as qualidades têm importância para a vida toda, pois, de fato, determinam as atitudes de uma pessoa, seus sucessos e fracassos, a credibilidade das palavras e ações. Competência e caráter são fundamentais quando se pensa na tomada de decisões, no exercício do poder e da autoridade, em questões de governo e da aplicação da lei.

O caráter é o que define a índole ou a personalidade de alguém e sua formação se inicia no ambiente onde a pessoa nasce e cresce. Outros fatores como valores religiosos, cultura, educação e ambiente social também podem influenciar na formação do caráter. Quanto mais definido e forte for o caráter de uma pessoa, menor o risco de sofrer deformações no seu comportamento e nas suas atitudes. Uma pessoa com caráter fragilizado poderá sofrer influências externas, levando à distorção dos seus valores e intenções. Isso se chama corrupção do caráter.

A competência está relacionada às habilidades e aos conhecimentos necessários para o exercício de uma atividade. Uma pessoa pode adquirir competência pela prática de uma tarefa, ou pelo aprofundamento teórico e acadêmico do conhecimento, mas em algum momento precisará da prática para autenticar a teoria. É o que acontece, por exemplo, com alguém que aprende a tocar um instrumento porque tem um bom ouvido, enquanto outra pessoa se dedica longamente ao estudo da música. Para ser regente de uma orquestra é preciso mais que um bom ouvido, é preciso conhecimento teórico e prático sobre instrumentos e música.

Mas, uma vez que os valores religiosos influenciam na formação do caráter e considerando que, segundo pesquisa do censo demográfico, a maior parte da população brasileira se declara religiosa ou crente, devemos nos perguntar sobre a origem da corrupção do caráter. A resposta para esse questionamento pode ser que a crença em Deus não é autêntica e nem foi capaz marcar o caráter das pessoas. Para muitos, a fé não é mais que um verniz superficial, que desaparece quando estão em jogo os interesses pessoais, a busca de privilégios, o favoritismo e os ganhos econômicos ou políticos. Parece que no jogo da vida vale a pena deixar a fé em segundo plano.

Os cristãos estão inseridos no mundo e as suas atitudes devem refletir a força da sua fé. O caráter de uma pessoa cristã não pode mudar ou adaptar-se às circunstâncias convenientes. Para o cristão, o que importa não é o jogo da vida, mas é a sua vida que está em jogo. O caráter de um cristão deve impregnar não apenas suas decisões pessoais, mas também a sua competência, sobretudo quando se trata do exercício do poder, das atitudes de governar, da aplicação da justiça e da promoção do bem comum. Quem diz acreditar em Deus, mas é infiel a seus princípios e ensinamentos, será infiel nas outras promessas, qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. 

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba