A encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco, escrita em 2020, constata que o “individualismo consumista provoca muitos abusos. Os outros tornam-se meros obstáculos para a agradável tranquilidade própria e, assim, acaba-se por tratá-los como incômodos, o que aumenta a agressividade. Isso acentua-se e atinge níveis exasperantes em períodos de crise, situações catastróficas, momentos difíceis, quando aflora o espírito do ‘salve-se quem puder’. Contudo, ainda é possível optar pelo cultivo da amabilidade. Há pessoas que fazem isso, tornando-se estrelas no meio da escuridão" (nº 222).
Papa Francisco diz que a “amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes. Hoje raramente se encontram tempo e energia disponíveis para tratar bem os outros, para dizer ‘com licença’, ‘desculpe’, ‘obrigado’. Contudo, de vez em quando, verifica-se o milagre de uma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença” (nº. 224).
Fratelli Tutti ensina que a “tribulação e os confrontos transformaram-nos. Além disso, já não há espaço para diplomacias vazias, dissimulações, discursos com duplo sentido, ocultações, bons modos que escondem a realidade, nua e crua. Precisam aprender a cultivar uma memória penitencial, capaz de assumir o passado para libertar o futuro das próprias insatisfações, confusões ou projeções. Só da verdade histó rica dos fatos poderá nascer o esforço perseverante e duradouro para se compreenderem mutuamente e tentar uma nova síntese para o bem de todos” (nº 226).
Para o Papa o “caminho para a paz não implica homogeneizar a sociedade, mas permite-nos trabalhar juntos. Pode unir muitos nas pesquisas comuns, onde todos ganham. Perante certo objetivo comum, poder-se-á contribuir com diferentes propostas técnicas, distintas experiências, e trabalhar em prol do bem comum. É preciso procurar identificar bem os problemas que uma sociedade atravessa, para aceitar que existem diferentes maneiras de encarar as dificuldades e resolvê-las. O caminho para uma melhor convivência implica sempre reconhecer a possibilidade de que o outro contribua com uma perspectiva legítima [...]” (nº 228).
Papa Francisco alerta que a “promoção da amizade social implica não só a aproximação entre grupos sociais distantes devido a algum período conflituoso da história, mas também a busca de um renovado encontro com os setores mais pobres e vulneráveis” (nº 233). Para ele muitas “vezes, os últimos da sociedade foram ofendidos com generalizações injustas. Se às vezes os mais pobres e os descartados reagem com atitudes que parecem antissociais, é importante compreender que, em muitos casos, tais reações têm a ver com uma história de desprezo e falta de inclus&atil de;o social” (nº 234).
A encíclica nos adverte que somos “chamados a amar a todos, sem exceção, mas amar um opressor não significa consentir que continue a oprimir, nem levá-lo a pensar que é aceitável o que faz. Pelo contrário, ama-lo corretamente é procurar, de várias maneiras, que deixe de oprimir, tirar-lhe o poder que não sabe usar e que o desfigura como ser humano. Perdoar não significa permitir que continuem a pisotear a própria dignidade e a do outro, ou deixar que um criminoso continue a fazer o mal. Quem sofre injustiça tem de defender vigorosamente os seus direitos e os da sua família [...]” (nº 241).
Pe. Antônio Carlos D´Elboux
Pároco da Paróquia Imaculado Coração de Maria
Rio Claro
REFERÊNCIA
FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti. Carta encíclica sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo: Paulus, 2020.