A vida em sociedade precisa de leis e regulamentos que estabelecem deveres e direitos aos cidadãos. As normas permitem que conflitos sejam resolvidos, buscando assim a justiça, a reparação e facilitando uma convivência harmônica. Para que as leis sejam respeitas e devidamente interpretadas, foram criadas instituições com a capacidade de fazer a devida interpretação e aplicação. As instituições que têm essa função também precisam ter atenção sobre as mudanças sociais, porque, às vezes, se faz necessário aprimorar e modificar a legislação. É preciso, no entanto, considerar outro aspecto: as instituições sociais não são absolutas, isto é, elas regulam a vida social, mas a pessoa dotada de razão e liberdade tem também sua própria consciência, que não pode ser violada.
A pessoa tem a consciência formada a partir de princípios e valores que lhe dão a capacidade para tomar decisões e agir segundo essa mesma consciência. As leis e as instituições devem garantir o direito à liberdade de consciência. No caso das pessoas que professam uma religião, isso é chamado de liberdade religiosa, uma vez que a religião tem princípios e valores que vão sendo transmitidos e ensinados. Para os católicos, os fiéis da Igreja Católica, o papel de formar a consciência é da Teologia Moral. Pela pregação, os bispos e com eles os padres e diáconos ensinam aquilo que a Igreja acredita, partindo das Sagradas Escrituras e da Tradição.
A Igreja tem a responsabilidade de guardar e ensinar a Verdade com amor e na caridade, missão que ela recebeu do Senhor Ressuscitado, Jesus Cristo. No exercício de sua fé e missão, a Igreja deve ajudar o fiel a conhecer a Verdade e a formar uma consciência com princípios sólidos, que apontem o caminho para a Vida Eterna e a Salvação. Tendo essa missão e considerando que a Igreja está inserida na realidade do mundo, ela pode, também como instituição, expressar a sua opinião sobre as leis e a sociedade de modo geral. Ao fazê-lo, ela ajuda a sociedade na reflexão, a partir da luz do Evangelho, sobre as sombras e mentiras, sobre as ideologias humanas e os muitos interesses que podem estar envolvidos na elaboração de leis injustas.
Assim, é preciso fazer a distinção afirmativa de que o princípio da consciência cristã, devidamente formada, é o lugar da tomada de decisões. Portanto, na dimensão espiritual, do ponto de vista da fé, a legalização de uma determinada prática não corresponde a uma autorização ou permissão para o católico fazer aquilo que contraria a Palavra de Deus e os ensinamentos do Magistério da Igreja. Nem tudo o que é “liberado” no mundo nos convém como fiéis seguidores de Cristo. Aqui, então, entra uma segunda consideração a ser feita, que é sobre a formação da consciência dos católicos. O que estamos ensinando? Qual é a fonte que alimenta a fé e a cultura dos fiéis católicos?
Essas perguntas levantam uma questão inevitável nestes dias: o escândalo dos católicos que não apenas aceitam, mas defendem o aborto e também participam ou praticam outros desvios. Por exemplo, que participam de manobras para obter ganhos pessoais, por meio da corrupção e da sonegação de impostos; que exploram o trabalho dos outros sem a devida justiça, chegando ao trabalho escravo; que usam os recursos legais de maneira invertida, favorecendo a si e aos seus, isto é, aumentando seus ganhos de forma abusiva ou praticando o nepotismo. É escandaloso que aconteça tudo isso, entre outras coisas. Como foi formada a consciência desses “católicos”?
Mais uma vez, o problema não é só a legalização ou a legalidade de determinada ação, o problema é a formação da consciência cristã. Porque quando um católico tem a consciência bem formada, segundo a doutrina da Igreja, ele não apenas vai rejeitar a prática de atitudes contrarias à fé, mas ele vai testemunhar e defender essa mesma fé no mundo. A atitude dos católicos precisa ser uma contradição em relação aos erros do mundo e não uma conivência com eles. A Igreja deve sempre anunciar, defender e promover a Verdade do Evangelho e os fiéis devem confirmar isso pelo seu testemunho.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba