Encerrei o artigo anterior prometendo que nestas atuais linhas abordaria a situação do aborto no Brasil. Mas a Suprema Corte dos Estados Unidos da América não me permitiu...
Mencionara naquele artigo a grande repercussão internacional que se sucedeu ao inédito vazamento de um “rascunho” de decisão dos Juízes da Corte Norte-Americana sobre o caso Roe vs. Wade, de 1973, e pelo qual fora reconhecido que o direito ao respeito à vida privada garantido pela Constituição Norte-Americana permitia a prática do aborto, além de impedir os estados norte-americanos de legislarem proibindo o aborto ao menos durante parte da gestação. Esse rascunho acabou sendo confirmado em conteúdo no voto do Juiz Samuel Alito Jr. que, acompanhado por outros cinco Juízes, por seis votos contra três anularam a decisão daquele caso (e a de um outro similar em que reafirmado esse precedente, de nome Planned Parenthood vs. Casey).
Justice (assim são chamados os Juízes da Suprema Corte) Alito não poupou palavras para afirmar que o precedente Roe estava “errado” desde o início e se baseava em “raciocínio excepcionalmente fraco”, pois nem sequer implicitamente a Constituição Norte-Americana prevê o direito ao aborto. Afirmou também algo que traz certo arrepio aos defensores do direito de matar bebês: “O aborto apresenta uma profunda questão moral. A Constituição não proíbe os cidadãos de cada Estado de regular ou proibir o aborto. Roe e Casey arrogaram essa autoridade. Nós agora anulamos essas decisões e devolvemos essa autoridade ao povo e seus representantes eleitos”.
Essas palavras do Justice Alito traduzem o que muitos de nós conhece por “ativismo judicial”, ocorrência em que o Poder Judiciário se substitui ao Legislativo e acaba “editando uma norma com força de lei”. Esse meu pensamento de duas linhas, reconheço, é quase simplista e comportaria várias outras considerações, mas que não são convenientes e nem oportunas neste espaço. Apenas quis esclarecer esse conceito.
Não houve, portanto, proibição absoluta da prática do aborto nos Estados Unidos. Não. Devolveu-se às câmaras legislativas dos estados essa tarefa – legítima e fundamental tarefa! — a ser exercida pelo povo através de seus representantes eleitos. E em muitos estados já existem leis tratando sobre o aborto, que serão ou não reconsideradas diante da anulação de Roe vs. Wade.
Quanto ao “arrepio” a que aludi linhas atrás, tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil, diante de algumas similaridades entre os Poderes Legislativo e Judiciário de lá e de cá, de há muitos anos vem sendo adotado o expediente de se alterarem regras no Judiciário sem que previamente tenham sido discutidas e aprovadas pelo Legislativo. Também não cabe neste curto espaço criticar a omissão do legislador que acaba forçando a atuação do julgador, mas no caso do aborto essa não é a questão.
Na Constituição brasileira, como na norte-americana, não há direito ao aborto! Antes, explícita e implicitamente, o direito à vida é protegido em diversas passagens da nossa “Lei Maior”. Mas aqui iremos ter, em futuro nada distante, discussão sobre a possibilidade de ampliação das situações de aborto, bastando, para tanto, ser colocada em pauta ação já em andamento no STF com essa pretensão.
É notória a vasta influência que os Estados Unidos exercem sobre o mundo ocidental e em todos os segmentos da sociedade, não sendo o Brasil exceção a essa “regra”. Tanto que essa recentíssima decisão da Suprema Corte aqueceu nesta Terra brasilis o debate entre os chamados “operadores do Direito”, com alguns, mesmo sem lê-la na íntegra, classificarem-na como “grande retrocesso ao direito das mulheres”, embora palavra alguma tenham dito sobre a reconquista do direito do indefeso bebê em poder continuar a viver...
Também não a li na íntegra, o que farei assim que o tempo permitir, mas na íntegra concordei com suas conclusões, em particular com esta do Justice Alito: “Quando uma de nossas decisões constitucionais está errada, o país é obrigado a conviver com uma decisão ruim até que nós consertemos nosso próprio erro”.
Rogo ao Bom Deus, a partir da sensatez e humildade dessa decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que ilumine os Ministros do STF para não se substituírem aos nossos legisladores e criarem regras favoráveis ao aborto. Do contrário, vidas inocentes e indefesas serão ceifadas, e talvez mais de cinquenta anos sejam necessários para reparar esse erro.
Meu fraternal abraço ao leitor!