Na encíclica Sollicitudo Rei Socialis, o Papa João Paulo II afirma que hoje “compreende-se melhor que a mera acumulação de bens e de serviços, mesmo em benefício da maioria, não basta para realizar a felicidade humana” (p.664) e que o superdesenvolvimento “torna facilmente os homens escravos da ‘posse’ e do gozo imediato, sem outro horizonte que não seja a multiplicação ou a substituição contínua das coisas que já se possuem, por outras ainda mais perfeitas. É o que se chama a civilização do ‘consumo’, ou consumismo, que comporta tantos desperdícios e estragos” (p.665).
Para o Papa uma “das maiores injustiças do mundo contemporâneo consiste precisamente nisto: que são relativamente poucos os que possuem muito e muitos os que não possuem quase nada. É a injustiça da má distribuição dos bens e dos serviços originariamente destinados a todos” (pp.665-666). Para ele o “mal não consiste no ‘ter’ enquanto tal, mas no fato de se possuir sem respeitar a qualidade e a ordenada hierarquia dos bens que possuem. Qualidade e hierarquia que promanam da subordinação dos bens e das suas disponibilidades ao ‘ser’ do homem e à sua verdadeira vocação” (p.666).
A concepção da fé leva a Igreja a preocupar-se com o problema do desenvolvimento e “a considera-lo um dever do seu ministério pastoral e a estimular a reflexão de todos sobre a natureza e as características do desenvolvimento humano autêntico. Com os seus esforços, ela deseja: por um lado, pôr-se a serviço do plano divino, no sentido de ordenar todas as coisas para a plenitude que reside em Cristo (cf. Cl 1,19) e que ele comunicou ao seu Corpo; e, por outro lado, corresponder à sua vocação fundamental de ‘sacramento’, ou seja, ‘sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (p.669).
A encíclica lembra que,” faz parte do ensinamento e da prática mais antiga da Igreja a convicção de estar obrigada, por vocação - ela própria, os seus ministros e cada um dos seus membros – a aliviar a miséria dos que sofrem, próximos e distantes, não só com o ‘supérfluo’, mas também com o ‘necessário’. Nos casos de necessidade não se pode preferir os ornamentos supérfluos das igrejas e os objetos do culto divino preciosos; ao contrário, poderia ser obrigatório alienar estes bens para dar de comer, de beber, de vestir e de morar a quem disso está carente” (pp.669-670).
A colaboração para o desenvolvimento é “um dever de todos para com todos e, ao mesmo tempo, há de ser comum às quatro partes do mundo: Leste e Oeste, Norte e Sul; ou, para usar termo hoje em voga, aos diversos ‘mundos’. Se, pelo contrário, se procurar realiza-lo numa só parte, ou num só mundo, isso far-se-á à custa dos demais; e onde isso começa, precisamente porque os outros são ignorados, hipertrofia-se e perverte-se” (p.670). Um desenvolvimento limitado só ao aspecto econômico “subordina facilmente a pessoa humana e as suas necessidades mais profundas às exigências da planificação econômica ou do lucro exclusivo” (p.671).
Um verdadeiro desenvolvimento implica “uma viva consciência do valor dos direitos de todos e de cada um, como também da necessidade de respeitar o direito de cada um à plena utilização dos benefícios proporcionados pela ciência e pela técnica” (p.671). O desenvolvimento para ser integral “deve realizar-se no quadro da solidariedade e da liberdade, sem jamais sacrificar uma e outra, sob nenhum pretexto. O caráter moral do desenvolvimento e a necessidade da sua promoção são exaltados quando existe o mais rigoroso respeito a todas as exigências derivadas da ordem da verdade e do bem, próprios à criatura humana” (p.672).
Pe. Antônio Carlos D´Elboux – acdelboux@uol.com.br
Pároco da Paróquia Imaculado Coração de Maria
Rio Claro
REFERÊNCIA
LESSA, Luiz Carlos. Dicionário de doutrina social da Igreja: doutrina social da Igreja de A a Z. São Paulo: LTr, 2004.