Como prometido no último artigo, chegamos à conclusão do tema. E nada melhor do que as próprias palavras do então Cardeal Jorge Mario Bergoglio, profundas, provocativas e ao mesmo tempo simples: “A corrupção não é um ato, e sim um estado, estado pessoal e social, no qual a pessoa se acostuma a viver. Os valores (ou desvalores) da corrupção são integrados a uma verdadeira cultura, com capacidade doutrinal, linguagem própria, modo de proceder peculiar. É uma cultura da ‘pigmeização’, que insiste em convocar adeptos para rebaixá-los ao mesmo nível da cumplicidade admitida e corrupta. Essa cultura tem um dinamismo duplo: de aparência e de realidade, de imanência e de transcendência. A aparência não é o surgir da realidade por veracidade, e sim a elaboração dessa realidade, para que vá se impondo em uma aceitação social o mais geral possível. É uma cultura do diminuir: diminui-se realidade em prol da aparência. A transcendência vai ficando cada vez mais aquém, é quase imanência, ou no máximo uma transcendência de botequim”.
O Cardeal Bergoglio, nas últimas partes de seu livreto e na sequência de sua colocação anterior –de que o corrupto não tem amigos, mas cúmplices— afirma com razão que o corrupto nunca anda só, mas na companhia de pessoas que pensam igual ou de modo semelhante. E assim o faz “para defender sua zona corrupta de adesão ao poder”.
O grupo de corruptos apresenta dois traços comuns. Antes e para você, caro leitor e leitora, situar-se melhor, é válido pensar nos partidos políticos, sindicatos, associações e entidades representativas de classes, por exemplo, mas obviamente excluindo aqueles entes que buscam, de maneira justa, virtuosa e digna, defender os interesses de seus representados, isto é, que não são corruptos. Pois bem.
O primeiro desses traços comuns está em que, nos grupos de corruptos, “todos elaboraram uma doutrina que justifica sua corrupção ou que a encobre”. E o segundo traço: “esses grupos são os mais afastados, quando não inimigos, dos pecadores e do povo. Não só se consideram limpos, como também, com essa atitude, proclamam sua limpeza”.
Com a experiência e profunda vida de oração que lhes são próprias, Papa Francisco reafirma que o “caminho para a corrupção é o pecado. Como se dá isso? Trata-se de uma forma sutil de progressão, ou melhor, de salto qualitativo do pecado à corrupção”. À frente, entretanto, se questiona: “É preciso que abordemos o problema de distinguir o pecado da corrupção? Creio que não ajudaria muito. Com o dito basta: uma pessoa pode ser reiterativa em pecados e não ser corrupta ainda; mas, ao mesmo tempo, a reiteração do pecado pode conduzir à corrupção”.
Aqueles que leram essas linhas podem, com certa razão, reclamar do teor negativista ou de alguma sensação de derrotismo e impotência ante as realidades cotidianas que nos cercam e nas quais corriqueiramente nos deparamos com pessoas e estruturas corruptas. Mas quem por primeiro e com prioridade buscar a Deus e a Seu Reino, no cotidiano da vida e não somente nas Missas de domingo, não perecerá. E proclamo essa sentença com absoluta serenidade diante do último capítulo do livro –“A corrupção do religioso”— que cabe a nós, leigos, sem qualquer dificuldade.
Nesse epílogo Papa Francisco fornece uma “regra de ouro” ensinada pelo também jesuíta “Beato Fabro”, hoje São Pedro Fabro: para detectarmos o estado de nossa alma, caso esteja “tranquilamente e em paz”, aceite, quando lhe for proposto, “algo mais (magis). Se uma alma estivesse fechada à generosidade, reagiria mal. A alma se habitua ao mau cheiro da corrupção”. Deixemos, portanto, que Deus “se meta e nos embarque” em Seus caminhos; expulsemos a “mediocridade” e a “mornidão”, duas formas de corrupção espiritual; como cristãos que lutam em perseverar, enfrentemos e derrotemos a “mundanidade espiritual”, porque “o Senhor não se cansa de chamar: ‘Não temas’. Não tema o quê? Não tema a esperança ... e a esperança não engana”.
Fraternal abraço a todos!
Rogério Sartori Astolphi
Juiz de Direito