O pecado tem consequências e a misericórdia de Deus também tem consequências. A primeira consequência do pecado é a impossibilidade de convivência entre o Criador e a criatura. O Livro do Gênesis, em seu primeiro capítulo, apresenta a criação do homem e da mulher por Deus e depois o pecado, que estabelece a impossibilidade da convivência com Deus.
O homem que foi criado para estar na companhia de Deus, para conviver com Ele, não pôde mais ter essa convivência. O pecado é o “não” da pessoa humana ao amor de Deus.
Na tentação, o diabo planta a dúvida. É como se dissesse: “Deus não te ama porque, se amasse, permitiria todas as coisas”. E o homem e a mulher, aceitando a provocação, já não têm mais a confiança em Deus, já não colocam mais as suas vidas nas mãos de Deus. Duvidam do amor.
Deus, no entanto, não desiste da criação, não abandona e, se é impossível a convivência, Ele pode resgatar a pessoa humana. É por isso que existiu algo como que um tempo de amadurecimento, para que depois Deus pudesse resgatar o ser humano na Plenitude dos Tempos, não mais na infância, mas na maturidade.
Foi para isso que Deus enviou o Filho, nascido de mulher, para que a humanidade fosse resgatada por meio do sacrifício. Quem se encontra com esta maravilhosa ação está disposto a abandonar tudo por causa da Salvação que nos vem por meio de Cristo.
Perder, porém, não é algo que estamos acostumados ou que fazemos com facilidade. Exatamente por isso, às vezes, a gente quer uma maneira de caminhar com Deus sem abandonar o pecado.
É uma tentativa humana de enganar o amor de Deus, mas Ele, em sua infinita misericórdia, continua sempre nos chamando à reconciliação. Aqui está o ponto: se o pecado traz a separação como consequência, a misericórdia também gera uma consequência, que é a mudança de vida.
Porque não é possível viver de duas formas. Não é possível viver amarrado pelo pecado e, ao mesmo tempo, ser livre como filho de Deus. Ou estamos acorrentados ou estamos em liberdade. É isso o que Jesus veio nos trazer como proposta de vida.
Trata-se de algo concreto. Não é uma ideia bonita, uma simples palavra, uma filosofia. É algo que, de fato, precisa tocar a nossa existência, nos fazer conscientes da maldade do pecado e da liberdade que nos é proposta em Cristo.
Em uma das ocasiões em que Jesus foi ao templo, os fariseus e os mestres da lei levaram a Ele uma mulher que tinha sido surpreendida em adultério. Aqueles fariseus e mestres da lei tinham uma intenção muito clara: colocar Jesus em uma situação difícil, já que o pecado exigia uma condenação.
Estava diante de Cristo, então, uma pecadora pública, alguém que teve seu pecado revelado e que estava sendo escarnecida, humilhada naquela situação.
E aqueles que a levaram perguntavam insistentemente a Jesus qual era a solução. No coração deles, no entanto, a solução já estava dada: apedrejamento até a morte.
Naquela situação toda, com tranquilidade, Jesus tem uma atitude que não é indiferente ao pecado, mas também não é indiferente à pessoa. É importante deixar isso claro porque, do contrário, parece que Deus simplesmente releva nossos pecados.
Jesus, não sendo indiferente ao pecado daquela mulher nem à pessoa humana que ali estava, diz: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Isso não foi uma saída simples, mas um convite à reflexão, a pensar no impacto que o pecado tinha na vida daquelas pessoas e nas vidas de cada um de nós, hoje.
Quantas vezes nós buscamos, pedimos, suplicamos a misericórdia de Deus? Quantas vezes procuramos a confissão querendo o perdão de Deus, mas sem disposição nenhuma para perdoar os outros?
Jesus disse aquelas palavras para incomodar o coração daqueles que estavam ali para apedrejar a mulher. Da mesma forma, devem incomodar o nosso coração, para que a gente possa refletir sobre como estamos perdoando e como devemos mudar as nossas vidas diante da misericórdia de Deus.
Por fim, quando está sozinho com aquela mulher, Jesus diz a ela: “Ninguém te condenou?” – “Ninguém, Senhor”, ela responde. “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais”, afirma Jesus.
Não condenar da parte de Jesus não é indiferença ao pecado, mas é o perdão à pessoa. Perdão alcançado por aquela mulher que permaneceu ali, aos pés do Senhor, onde ela encontrou a misericórdia de Deus. Porque é aos pés do Senhor que encontramos Sua misericórdia.
E nas palavras de Jesus observamos também a consequência da misericórdia: “não peques mais”. Uma vida nova. Uma vida de esforço para não voltar à condição de pecador, ao caminho que separa da convivência com Deus. A mudança de vida é o propósito de um encontro verdadeiro com Cristo.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba