Pretendo neste mês e nos próximos refletir com você, caro leitor e cara leitora, o livreto que dá o título deste artigo, publicado a partir de uma apresentação feita pelo então Cardeal Jorge Mario Bergoglio, hoje Papa Francisco. Editado originalmente em 2005 na Argentina, no Brasil tenho comigo sua segunda edição (Editora Ave-Maria, 2013). E vivamente recomendo que o leiam!
O fato desse texto efetuar sua análise a partir da realidade argentina de então não o descredencia para os tempos atuais que vivemos no Brasil e mundo afora. Ao contrário, segue servindo para a necessária reflexão.
Impactante o pensamento apresentado logo nas primeiras linhas e que norteará todo o raciocínio subsequente: “toda corrupção social não é mais que a consequência de um coração corrupto. Não haveria corrupção social sem corações corruptos”, em seguida transcrevendo trecho do Evangelho de São Marcos: “’Ora, o que sai do homem, isso é que mancha o homem. Porque é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. Todos esses vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem’" (Mc 7, 20-23).
Desse ponto de partida já podemos rechaçar todos os exercícios de retórica que defendam ou justifiquem a corrupção como um mal “social”, algo etéreo, difuso e sem identidade, isentando qualquer responsabilidade do indivíduo corrupto ou pecador. E a justificativa não é difícil de ser compreendida: a corrupção social se estabelece a partir de indivíduos de corações corruptos. E ponto.
Explicava o Cardeal Bergoglio: “Não devemos confundir pecado com corrupção. O pecado, especialmente quando é reiterativo, conduz à corrupção, mas não quantitativamente (tantos pecados provocam um corrupto), e sim qualitativamente, por criação de hábitos que vão deteriorando e limitando a capacidade de amar, encolhendo cada vez mais a referência do coração a horizontes mais próximos de sua imanência, de seu egoísmo. (...) No corrupto existe uma suficiência básica, que começa sendo inconsciente e depois é assumida como a coisa mais natural”.
Sendo que a referência e a medida do corrupto são o seu próprio “eu”, o Arcebispo de Buenos Aires nos ajuda a concluir que o afastamento de Deus é traço característico dessa desgraça, pois “na base de toda atitude corrupta há um cansaço de transcendência: diante do Deus que não se cansa de perdoar, o corrupto se erige como suficiente na expressão de sua saúde e cansa-se de pedir perdão”.
Nesse processo de verdadeira putrefação da alma (em algumas situações até do corpo também), nosso Papa alertava e, na conclusão, alentava ao mostrar ser possível a mudança de conduta: “O corrupto não percebe a corrupção. Ocorre como com o mau hálito: dificilmente aquele que tem mau hálito o percebe. Os outros é que o sentem e têm que lhe dizer. Por isso, também, que dificilmente o corrupto pode sair de seu estado por remorso interno. Seu bom espírito dessa área está anestesiado. Geralmente o Senhor o salva com provas que vêm de situações que lhe cabe viver (doenças, perdas de fortuna, de entes queridos etc.), e são elas que alquebram a estrutura corrupta e permitem a entrada da graça. Pode ser curado”.
Paramos por aqui, inclusive para que cada um de nós possa, íntima e individualmente, realizar uma sincera autocrítica, buscando sentir a quantas anda nosso coração, se ele está carente do Espírito Santo ou “anestesiado” para buscar Sua Graça; buscando perceber se temos ou não “mau hálito”... E se o Bom Deus nos permitir, mês que vem voltamos.
Fraternal abraço a todos!
Rogério Sartori Astolphi
Juiz de Direito