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A escondida Beatriz

Publicado em 14 de setembro de 2021 - 11:21:02

Após os 65 anos  da presença das concepcionistas entre nós, conpletados no último dia 15, os  amigos das monjas já sabem contar aos seus netos a vida de Beatriz da Silva e Menezes, a santa lusitana, fundadora da Ordem da Imaculada Conceição. Assim, cada ano ao acolher o pedido das suas filhas para escrever algo sobre ela, fico sempre matutando o que poderia ser talvez útil ao possível e paciente leitor.

Claro que recorro sempre à própria santa, a fim de que me inspire. Desta vez não foi diferente e, assim, acreditando no seu auxílio, pensei que refletir com singeleza sobre a decisão de Beatriz de levar vida escondida, antes da fundação da sua Ordem, poderia ser um assunto que despertasse alguma atenção. Também, permito-me pensar que, ainda mais, neste Ano Dedicado a São José, promulgado pelo querido Papa Francisco.

Beatriz, ao deixar o Palácio de Tordessilhas, foi pedir hospedagem no Convento de São Domingos, Toledo,  junto às  filhas do grande pregador. Havia esta possibilidade na Espanha quatrocentista. Por mais de trinta anos a ex-cortesã viveu escondida naquele mosteiro.

O motivo que a levou a tal atitude é muito conhecido dos que já leram a sua biografia. Quando  encerrada num baú pela  rainha Isabel, que se corroia de ciúmes da sua linda prima e gentil dama de companhia, a vida desta foi miraculosamente salva por Nossa Senhora que, ainda, lhe pediu para fundar uma nova família religiosa que particularmente, honrasse a sua imaculada conceição.

Quando me lembro destes anos de Beatriz vividos no recolhimento, no silêncio e sempre à espera, qual sentinela em sua torre de vigia, não posso deixar de pensar que se tornou um modelo de escuta do Senhor e de discernimento da sua vontade,  para a sua família religiosa e também para a Igreja, a exemplo do grande pai terreno de Jesus menino.

Diante do fascínio caleidoscópico das realidades deste novo  milênio, já em sua segunda década, algumas elevadíssimas outras nem tanto, lamentavelmente, esta jovem do século 15 em seu escondido recolhimento, recorda-nos os valores fundamentais do verdadeiro humanismo cristão, da genuinidade do evangelho, do essencial, da busca do  bem, da construção da fraternidade e da  imperiosa necessidade de que a história seja plena de belas e luminosas páginas, geradas na fé e no amor dos seguidores de Jesus. 

Alguém poderá argumentar que isto só é útil para os consagrados por especial vocação na comunidade eclesial. Sem dúvida que sim, contudo, Karl Rahner, renomado jesuíta que participou como teólogo do Concílio, falecido em 1984, afirmou que “o cristão do século 21 ou será místico ou não será cristão”. Em seguida, temendo ser mal entendido, acrescentou: “Desde que não se entendam por mística fenômenos parapsicológicos raros, mas uma experiência de Deus autêntica, que brota do interior da existência”.

Alguém já comparou estas mais de três décadas de Beatriz vividos no  Convento de São Domingos,  aos correspondes anos de Jesus em Nazaré, cidade onde “cresceu, tornava-se robusto, enchia-se de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele” (Cf. Lc 2, 40), tutelado sob o olhar amoroso de seu pai adotivo. 

Ao concluir, uma vez mais o que me foi pedido, me vem expontânea  uma outra súplica a esta nossa simpática irmã de caminhada: que todos os cristãos tenham sempre no coração a sua Nazaré, também sob a guarda de são José, pois  ainda vale o velho adágio: “as mais frondosas e belas  árvores crescem no silêncio da floresta”.

José Eduardo Sesso
Padre da Diocese de Piracicaba
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