O Papa Bento XVI, na encíclica Deus caritas est (2005), diz que a Doutrina Social da Igreja não se restringe estritamente ao plano político, mas quer iluminar as consciências dos políticos e purificar sua razão com os horizontes da fé, pois as relações “entre comunidade política e comunidade eclesial não podem ser as mesmas que existem entre duas potências mundanas” (p. 82). Há coincidência no fato de que as mesmas pessoas compõem as duas comunidades e “envolvem ao mesmo tempo a missão religiosa da Igreja e a organização laica do Estado” (p. 82).
As comunidades, a eclesial e a política, zelam por sua autonomia e servem ao bem comum, interagindo em espírito de leal e próxima colaboração. O mesmo Papa Bento XVI, na inauguração da V Conferência do Episcopado Latino-Americano, afirma que o “respeito de uma sã laicidade – até mesmo com a pluralidade das posições políticas – é essencial na tradição cristã autêntica” (Aparecida, 13.05.2007). Com isso, “está descartada para a Igreja toda nostalgia do velho regime de ‘cristandade’, e ao Estado laico a pretensão de reduzir a religião a mero fato de consciência e a Igreja a mera associação privada”.
Hoje a presença social da Igreja e a função do Estado parecem complementares na busca do bem comum político, exatamente porque, “embora por títulos diversos, Estado e Igreja servem à vocação pessoal e social dos mesmos homens” (p. 86). Orientada para a libertação integral da pessoa, “a ação evangelizadora da Igreja tem um nexo inseparável com a promoção humana; com efeito, da missão religiosa brotam luz, energia e orientações que podem contribuir de modo determinante para o processo do desenvolvimento humano” (Gaudium et spes, n. 42).
O anúncio do Evangelho deseja “influenciar e inspirar os comportamentos pessoais e sociais, privados e públicos, de quem livremente o acolhe” (p. 88). A Igreja não luta pelo poder, nem se alinha com uma ou outra facção partidária, nem prefere uma determinada estrutura institucional a outra. Sua missão é anunciar a salvação em Cristo, iluminar a solução dos problemas das pessoas com a luz da Palavra de Deus e formar leigos cristãos maduros, para que testemunhem os valores evangélicos e pratiquem um “humanismo integral, no pleno respeito pela laicidade” (p. 89).
É preciso admitir que, na prática, algumas ‘invasões de campo’ foram verificadas e podem sempre ser constatadas. A própria Igreja “sentiu a necessidade de pedir publicamente perdão pelos comportamentos incoerentes do passado” (p. 90). Ultrapassar os limites na prática política faria a Igreja “pagar um custo pastoral altíssimo, com efeitos negativos sobre a credibilidade da própria obra de evangelização” (p. 91). Compete “aos fiéis leigos realizar responsavelmente e com consciência iluminada as necessárias mediações de natureza técnica, social, política e econômica” (p. 92).
Igreja e Estado são chamados “a conviver e se encontrar na busca do bem comum do país, que é leigo e põe todos os cidadãos indistintamente em comum, além do seu pertencimento cultural, étnico ou confessional” (p 93). Eles precisam realizar “um estilo novo de colaboração no pleno respeito pela autonomia recíproca e de uma laicidade positiva, exigido tanto pelas profundas mudanças da sociedade como pelas aquisições da eclesiologia do Concílio e do magistério recente, sem nostalgias oitocentistas por parte do Estado e sem saudade da ‘cristandade’ perdida por parte da Igreja” (p. 93).
Pe. Antônio Carlos D´Elboux – acdelboux@uol.com.br
Pároco da Paróquia Imaculado Coração de Maria
Rio Claro