Após a queda do muro de Berlim, em 1989, muitos concluíram pela vitória do capitalismo sobre o socialismo, mas o Papa João Paulo II (Centesimus annus, 1991) foi o primeiro a afirmar que a falência do comunismo demonstra apenas que ele foi uma resposta errada, sem resolver os problemas que o fizeram nascer. Também o capitalismo se aproximou do fim, com uma diferença, pois conserva a capacidade de se renovar, como aconteceu nos Estados Unidos com a explosão da bolha especulativa imobiliária de 2007, que pôs em crise o velho sistema capitalistas e ofereceu a oportunidade de renovação da economia mundial.
A Igreja não é competente para julgamentos técnicos, mas “oferece princípios antropológicos e critérios éticos que podem ajudar a identificar melhor, indo além das causas próximas, a causa última da falência de um sistema produtivo que, não obstante os seus desequilíbrios, favoreceu notavelmente no mundo o progresso, o desenvolvimento econômico e a luta contra a pobreza” (SORGE, 2018, p.72). A economia de mercado produz riqueza, mas prescinde da primazia do bem comum, da destinação universal dos bens e da prioridade do trabalho sobre o capital que repartem de modo equitativo e solidário a riqueza produzida.
A crise econômico-financeira faz parte da crise estrutural geral que o mundo atravessa, necessitando refundar as estruturas sustentadoras do trabalho, da família, da escola e das instituições políticas. A falência do modelo socialista ressaltou a capacidade que a economia livre de mercado tem para produzir riqueza. Um sistema econômico “fundado numa cultura da produção e do consumo sem sentido ético se torna, de fato, insustentável. Realmente, se a finalidade é apenas lucrar mais, é lógico que a atividade especulativa há de ser preferida à atividade produtiva, o ganho do capital ao do trabalho” (p.74).
A interdependência das economias e dos sistemas sociais precisa que as condições de trabalho e de vida sejam orientadas pela ética solidária. A crise não é só de natureza estritamente econômica. Com a falta de trabalho aumentam as desigualdades sociais. A causa última da crise econômica é a cultura econômica neoliberalista com seu individualismo utilitarista e tecnocrático, para o qual o julgamento ético “permanece subordinado à eficiência, à inovação tecnológica e ao consenso social, sem nenhuma referência aos valores radicados na própria pessoa humana, na sua consciência moral e religiosa” (p.76).
A renovação das estruturas empresariais é exigida pelas novas tecnologias e pela informatização nos processos produtivos, valorizando o que há de específico no trabalho do homem: “o uso da inteligência no lugar da força física e a participação corresponsável de todos os fatores produtivos no lugar do domínio absoluto dos ‘donos’ de um tempo” (p.77). Existem muitas tentativas bem-sucedidas de reformular as empresas: “pensemos nas várias iniciativas de economia solidária, de consumo e de poupança responsável, no comércio equitativo e solidário, nos bancos éticos, nas experiências de economia de comunhão” (p.78).
A crise atual, apesar de tudo, é uma oportunidade para levar a uma governança equitativa e solidária da economia. O Papa Bento XVI, no discurso pelos 60 anos de fundação da Confederação Italiana Sindical dos Trabalhadores, disse que “da atual crise mundial nasça a vontade comum de dar vida a uma nova cultura da solidariedade e da participação responsável, indispensável para construir juntos o futuro do nosso planeta” (31.01.2009). A Economia deve estar sempre a serviços das pessoas, priorizando as mais frágeis e os pobres e respeitando-se como diferentes.
Pe. Antônio Carlos D´Elboux – acdelboux@uol.com.br
Pároco da Paróquia Imaculado Coração de Maria
Rio Claro
REFERÊNCIA
SORGE, Bartolomeo. Breve Curso de Doutrina Social. São Paulo: Paulinas, 2018.