O sistema democrático está em crise, pois os cidadãos não mais confiam nos partidos e nas instituições democráticas que não os protegem nem garantem bem-estar, empurrando-os à margem da justiça e da possibilidade de trabalho e sem oferecer-lhes assistências social e educacional que satisfaçam suas necessidades básicas. Não “se busca o poder para fazer política, mas se faz política para ter o poder. Numa palavra, a política perdeu a alma; e quando uma realidade vivente perde a alma, corrompe-se. A corrupção da política está sob os olhos de todos!” (SORGE, 2018, p.57).
Sempre que a política entra em crise, desenvolvem-se duas graves patologias que podem se tornar mortais para a própria democracia. A primeira patologia é a “antipolítica”, que se difunde sobretudo entre os eleitores e se manifesta principalmente no desinteresse, no absenteísmo, na rejeição da classe dirigente e do próprio sistema democrático. A segunda patologia é o populismo por parte de quem governa e exerce o poder, privilegiando a relação direta com o povo e o uso da internet, deixando de lado as mediações institucionais e as regras da democracia representativa.
A relação entre a Igreja e a democracia foi, por muito tempo, difícil. Para a doutrina católica, “o povo é ‘soberano’ apenas enquanto é ‘depositário’ do poder, o qual pode, portanto, delegar aos seus representantes; mas o povo não é a fonte primária e absoluta, o criador do direito e da justiça. A sociedade, certamente, vem antes do Estado, e a pessoa vem antes da sociedade; mas antes do Estado, antes da sociedade e antes da pessoa vem Deus” (p.58). O Papa Leão XIII afirmou que Igreja não condena nenhuma forma de governo, desde que ela procure o bem dos cidadãos (Graves de communi, 1901).
Foi com o Papa Pio XII que a Igreja aceitou “com serenidade o sistema democrático, sem, contudo, assumir a tese de que a democracia seja a forma política ideal” (Cristianesimo e democrazia, 1988). A Igreja, como ensina o Concílio Vaticano II (Gaudium et spes, 1965), sendo sinal e salvaguarda da transcendência da pessoa humana, não está atrelada a nenhum sistema político. Ela “condena as formas de regime político que impedem as liberdades e os direitos fundamentais do homem” (SORGE, 2018, p.59) e elogia as nações em que a maior parte dos cidadãos participa nos assuntos públicos.
A laicidade perante o Estado foi reconhecida pelo Concílio Vaticano II como um valor cristão e como fundamento teológico, enquanto a democracia leiga é tida como o melhor sistema de governo. O Papa João Paulo II (Centesimus annus, 1991) afirma que a Igreja “encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno” (n.46).
A Igreja reconhece que a democracia é a melhor forma possível de governo, mas insiste no fato de que a finalidade da democracia é o homem com a sua dignidade e com as suas liberdades pessoais e sociais. Com isso, a Doutrina Social da Igreja se posiciona mais próxima ao reformismo, insistindo que “todo comportamento pessoal tem sempre uma repercussão social, no bem e no mal” (SORGE, 2018, p.66). Para passar para uma democracia madura, deliberativa e efetivamente participada é preciso colocar como fundamento da nova democracia um novo humanismo e uma nova cultura política.
Pe. Antônio Carlos D´Elboux – acdelboux@uol.com.br
Pároco da Paróquia Imaculado Coração de Maria
Rio Claro
REFERÊNCIA
SORGE, Bartolomeo. Breve Curso de Doutrina Social. São Paulo: Paulinas, 2018.