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Palavra do Bispo: Prosperidade e pandemia

Publicado em 23 de junho de 2021 - 09:28:23

Já há algum tempo circula em certos ambientes religiosos a chamada teologia da prosperidade. Essa corrente teológica afirma que a benção de Deus está ligada ao ganho e ao acumulo de bens materiais, isto é, quanto mais uma pessoa consegue bens e recursos, tanto mais é abençoada por Deus. Nesse ambiente, se multiplicam as expressões e formulas de religiosidade buscando atrair a benção e afastar o mal. É comum o uso de coisas ou objetos, como sal, toalhas e até sementes que supostamente trariam a capacidade de curar. Mas a prosperidade tem um preço, um custo, e é um mercado rentável. Uma suposta relação entre a benção Deus e os bens materiais já aparecia também no Antigo Testamento.

No livro de Jó, no entanto, se encontra uma narrativa que coloca em crise essa forma de pensamento. Jó era um homem muito rico e com uma família grande. No prazo de pouco tempo ele perde todos os seus bens e a sua família, por fim, o seu corpo ficou coberto de feridas e ainda assim Jó não falou mal de Deus. Alguns dos amigos de Jó vieram visita-lo e discutiram com ele a respeito do que tinha acontecido. Ninguém foi capaz de fazer Jó mudar a sua opinião, ele manteve firme a sua fé. Jó aceitou o seu sofrimento não como castigo de Deus, mas como um acontecimento da sua condição humana e nessa condição continuou vendo a presença de Deus.

No Novo Testamento, a questão do sofrimento e da presença de Deus chega ao seu ponto mais luminoso. Jesus, o Filho do Deus que se fez homem, assumindo a nossa condição humana e no mistério da sua morte de Cruz, mostrou a proximidade de Deus com o sofrimento humano. Mesmo que pudesse descer da cruz e destruir aqueles que o perseguiam, mesmo que pudesse transformar as pedras em pão ou invocar os anjos em seu auxilio, Jesus preferiu afirmar a sua confiança em Deus. Independentemente da situação, Deus é o Senhor da história e está presente em todos os acontecimentos. 

O tempo da pandemia traz à tona muitas questões e inseguranças humanas, que vão além dos cuidados com a saúde. Uma dessas questões é a bênção de Deus e a prosperidade da vida. Os fatos comprovam a morte de muitas pessoas de diferentes idades, algumas tinham situações delicadas de saúde e outras não tinham. Certamente, entre esses que morreram, havia pessoas de muita fé e tementes a Deus – e precisamos considerar também as orações e súplicas das famílias. Seria correto afirmar que Deus abençoou uns e desprezou outros? Seria correto dizer que Deus escutou apenas as preces daqueles que sobreviveram? E o que dizer daqueles médicos e enfermeiros que morrem porque estavam cumprindo seu ofício?

A fé não pode ser justificada pela prosperidade, esse é o sinal de Jó e o testemunho de Jesus Cristo. Os sofrimentos ou os acontecimentos trágicos, como é caso da pandemia, são grandes desafios, mas a fé é a força que nos mantém de pé e nos ajuda a continuar caminhando. A Igreja nos ensina a rezar suplicando a graça da cura e da saúde do corpo, como também nos ensina a apresentar a Deus todas as nossas necessidades, dores e sofrimentos. Isso não significa que devemos esperar só por aquilo que pedimos. A fé que apresenta o pedido deve ser a mesma fé que sustenta a aceitação, que renova a esperança e que reforça o testemunho verdadeiramente cristão. 

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba

 

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