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Palavra do Bispo: Quarentena dos acomodados

Publicado em 18 de maio de 2021 - 13:59:04

No dia a dia usamos palavras que estamos acostumados, mas quando acontece algo novo e diferente outras palavras vão sendo incorporadas ao nosso vocabulário. Até o ano passado palavras como pandemia, lockdawn ou quarentena não eram usadas habitualmente. Mesmo o sentido dessas palavras era muito conhecido. Os livros de história relatavam momentos de pandemia, os filmes de ficção traziam temas de doenças virais que obrigavam as pessoas a se isolarem, tudo isso parecia uma realidade distante ou uma ficção impossível de acontecer. Mas de repente tudo mudou.

A pandemia do coronavírus introduziu palavras novas no vocabulário dos telejornais e também nas conversas das pessoas em geral. Mais que conhecer o significado, aprendemos pela experiência. Um bom exemplo disso é a palavra quarentena, que quer dizer, o isolamento de uma pessoa sadia pelo período de incubação de uma doença, para verificar o contagio ou não. Quarentena e isolamento passaram a ser rotina desde o ano passado, quando ainda esperávamos que tudo passaria rapidamente.

No primeiro capitulo dos Atos dos Apóstolos, Lucas, que é o autor desse livro, relata que os discípulos tiveram um período de quarenta nos dias de convivência com o Ressuscitado. Durante esse tempo, Jesus falou a eles sobre o Reino e isso foi como mais uma preparação paro o envio missionário. Essa quarentena aconteceu enquanto os discípulos estavam em Jerusalém, o mesmo lugar onde Jesus foi crucificado. A morte de Jesus não foi suficiente para acalmar fariseus e mestres da Lei, ao contrário, a notícia da ressurreição reacendeu a perseguição aos discípulos. Depois da quarentena, ser discípulo e missionário de Jesus se tornou ainda mais arriscado.

Sem negar que é importante manter todas as medidas e barreiras sanitárias para combater a pandemia, também é importante refletir com mais profundidade sobre tudo o que está acontecendo. É preciso pensar com seriedade num dos efeitos do isolamento que vem pelo comodismo, é o que podemos chamar de quarentena dos acomodados. Acomodar-se é comportamento humano bastante comum, mas as circunstancias atuais podem favorecer isso. 

Aos poucos a rotina vai sendo abandonada, as atividades vão sendo relaxadas e as coisas importantes e essenciais vão sendo deixadas de lado, afinal, estamos em tempos de pandemia. A questão é que, de um lado, está a necessidade real de segurança e proteção e o uso dos recursos para deter o avanço da pandemia, do outro lado, está uma tendência para o menor esforço, para a preguiça e o comodismo. A preguiça é um dos sete pecados capitais e não se importa com a pandemia, mas pode aproveitar a ocasião.

Diante dos desafios, os discípulos saíram daquela quarentena refeitos na sua fé, pelo encontro com o Ressuscitado. A fé não é um amuleto de proteção contra perigos e situações adversas, ela é uma virtude teologal, que nos coloca em relacionamento com Deus e com os outros. A pandemia não pode ser usada como desculpa para não viver a fé e muito menos como justifica para não praticar as obras de caridade. Para os discípulos de Cristo, não é possível colocar a fé em quarentena.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba

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