A teologia espiritual encontra na vida dos santos uma das suas principais fontes, pois, quando falamos de espiritualidade, estamos falando de uma experiência vivida daquilo que é proclamado pela fé e pela doutrina da nossa Igreja. Espiritualidade é, na verdade, a encarnação do conteúdo da nossa fé, é a fé colocada em prática na vida de uma pessoa. Assim, não há lugar melhor a partir do qual falar de espiritualidade do que a vida dos santos.
Dentre os santos celebrados no mês de agosto, encontra-se Santa Clara de Assis que, junto com São Francisco, aparecem como a lua e o sol do céu de uma espiritualidade tão especial como é a franciscana. Santa Clara expressa, de maneira exponencial, a dimensão contemplativa da espiritualidade franciscana.
A contemplação de Clara, como de todos os mestres espirituais, é encontrada em seus escritos, dentre os quais ocupam um lugar privilegiado o seu epistolário a Inês de Praga, através do qual ela transmite para além do seu mosteiro – São Damião – uma vida que ali foi tomando forma. Essa forma de vida é o que chamamos de espiritualidade, a qual pode ser colhida através do seguinte parágrafo da Segunda Carta a Inês de Praga: “Fazendo memória do teu propósito, como outra Raquel, não perca de vista seu ponto de partida, conserve o que você tem, faça o que está fazendo e não o deixe. Mas, em rápida corrida, com passo ligeiro e pé seguro, de modo que seus passos nem recolham a poeira, confiante e alegre, avance com cuidado pelo caminho da bem-aventurança”.
Clara ensina que, para ter uma vida espiritual, é preciso viver a partir de um propósito que nunca dever ser esquecido, mas mantido diante dos olhos, permanentemente evocado por nossa memória. De fato, quem não tem um “objetivo”, não poderá saber onde precisa chegar. Propósito para Clara é aquilo que Deus colocou diante dos seus olhos e motivou a sua vida, a sua caminhada religiosa e motiva o seu dia a dia. É importante viver a partir de um propósito, porque é triste acordar sem ter algo que nos motive a levantar da cama e justificar o nosso dia. Esse princípio motivador, o propósito do existir de alguém, é aquilo que dá unidade à vida de uma pessoa, é o fio da meada de sua história. Ter um propósito é viver a partir de uma vocação, de um chamado que se torna a razão pela qual uma pessoa vive.
Um segundo ponto da espiritualidade de Clara que aparece nesse trecho é a arte de saber demorar. Conserve o que você tem (quod tenes teneas), ou seja, não podemos ter uma vida espiritual consistente, se vagamos de experiência em experiência, se – como uma mosca – vagamos de coisa em coisa, sem nos demorarmos nelas, para que elas nos marquem profundamente, a ponto de contribuírem para o enriquecimento de nossa bagagem pessoal. Quem não souber demorar sobre as coisas não conseguirá ter uma vida interior, porque, somente passeando sobre a vida, não internalizará nada e acabará por ser uma pessoa vazia e sobre o vazio não se constrói nada, muito menos vida espiritual.
Esse demorar sobre as coisas dá lugar a um terceiro ponto da vida espiritual de Clara: estar plenamente presente naquilo que se vive. Faça bem aquilo que está fazendo (age quod agis), ou seja, é necessário aprender a arte de ser todo naquilo que é a nossa tarefa. Para Clara, a totalidade é a lei da resposta a uma vocação.
Assim, ter um propósito de vida, saber demorar sobre as coisas e ser todo no que fazemos são três pétalas de espiritualidade de Clara que podem nos ajudar a embelezar o jardim espiritual da vida de cada um de nós.
Pe. Antonio César Maciel Mota
Pároco da Paróquia São João Batista em Rio Claro
Docente do Curso Diocesano de Teologia