A Bíblia não é apenas um livro grande. Ela é uma biblioteca. É uma coleção de 73 livros que trata da relação de Deus com a humanidade. Nesta relação, repleta de crises e conflitos, revelam-se o profundo e infinito amor de Deus, as quedas e reerguimentos dos seres humanos.
O Antigo Testamento (AT) possui 46 livros e retrata uma pré-história (da criação à Torre de Babel); a formação do povo de Deus (de Abrão até terra prometida); o período tribal (12 tribos de Israel); a monarquia unida (Saul, Davi e Salomão); a monarquia dividida (reino de Israel e reino de Judá); o Exílio na Babilônia; o pós-exílio e a dominação grega. O principal evento bíblico foi o Êxodo, que é a principal fonte de inspiração, revelando que Deus é o libertador de toda escravidão.
O Novo testamento (NT) possui 27 livros e retrata o período da dominação Romana, iniciando com os eventos em torno da encarnação de Jesus Cristo (4 a.C.) até a grande perseguição no Apocalipse (100 d.C.). O Mistério Pascal, paixão, morte e ressurreição de Jesus, é o evento principal do NT, sendo a pessoa de Jesus o centro e o cume de toda a Bíblia.
Por ser uma biblioteca, a Bíblia possui vários gêneros literários: jurídico (leis e normas); narrativo (epopeias, tragédias, épicos, romances); poético; proféticos; apocalíptico; sapiencial; evangelho; epistolas e cartas; genealogias; hinos e cânticos; sentenças; sagas e outros. Como Deus usa a mediação do ser humano como instrumento de sua Palavra, a Bíblia ganhou as cores literárias da própria humanidade. Quando Deus usou um poeta, nasceu poesia. Quando usou um profeta, nasceu profecia. Compreender que a Bíblia tem gêneros é importante, pois cada texto deve ser lido de acordo com o seu gênero. Um erro muito comum é quando se tenta ler a Bíblia como um livro de ciências, ou quando se lê um texto profético como se fosse uma lei, por exemplo. Assim, diante de tantos gêneros literários, esta biblioteca precisa ser lida com arte.
Na fé católica, a arte de ler e interpretar a Bíblia se faz através de Jesus Cristo e Seu Evangelho. Toda a Escritura é colocada sob a luz de Jesus Mestre, pois Jesus é o sentido de toda a Bíblia. Disse Jesus: "Vocês vivem estudando as Escrituras, pensando que vão encontrar nelas a vida eterna. No entanto, as Escrituras dão testemunho de mim" (Jo 5,39). Quando os discípulos de Emaús caminhavam sem compreender as Escrituras, o próprio Cristo Ressuscitado lhes explicou o sentido da Bíblia: "Então, começando por Moisés e continuando por todos os Profetas, Jesus explicava para os discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele" (Lc 24,27).
Uma pergunta: por onde devemos começar a ler Bíblia? Por ser Jesus aquele que nos explica as Escrituras e por ser a Bíblia uma biblioteca, recomendamos que a Bíblia deve ser lida a partir do Novo Testamento. O Antigo deve ser lido por último. Conhecer Jesus, suas ações e seu pensamento facilitará o conhecimento de toda a Bíblia. Assim, deve-se começar a ler a Bíblia a partir dos Evangelhos. Depois as cartas de São Paulo, das menores para as maiores. Depois as demais cartas até o Apocalipse. Com Jesus na mente e no coração poderemos ler bem o Antigo Testamento. A Igreja, fiel depositária da Bíblia, ao longo da História, sempre colocou as Escrituras sob a luz de Jesus Mestre. Por isso, a Igreja é, em última instância, a real intérprete desta biblioteca: a Bíblia.
Pe. Demetrius dos Santos Silva
Biblista e docente do Curso Diocesano de Teologia