Vivemos tempos em que as palavras se tornaram perigosas. Qualquer fala, gesto ou expressão é gravado, interpretado e, muitas vezes, distorcido. Já não importa tanto o que se diz, mas o que se interpreta. E uma frase fora de contexto pode se tornar pretexto para julgamentos e “cancelamentos”. Nas redes sociais, o medo do cancelamento paralisa muitos, que se apressam em se justificar diante dos “seguidores”. É o medo da opinião alheia, da repercussão, do que farão com as nossas palavras.
João Batista não teve esse medo. Se o tivesse, talvez não tivesse chamado os fariseus de “raça de víboras”, como relata o Evangelho de Mateus (cf. Mt 3,1-12). Sua palavra foi direta e dura, mas necessária. E o mais desconcertante: essa palavra não se dirige apenas aos fariseus do passado, mas a nós, hoje. João denuncia a falsidade de quem finge conversão, mas não busca mudança de vida.
Em nossos dias, muitos confundem acolhimento com conivência. De fato, São Paulo fala em harmonia (cf. Rm 1,4-9), mas não de uma harmonia que acomoda o pecado. A harmonia cristã brota do confronto sincero com a Palavra de Deus e do esforço verdadeiro de conversão. Acolher não é ignorar o erro, mas ajudar o outro a transformar-se. Como mãe, a Igreja acolhe, mas também ensina, corrige e convida à verdade do Evangelho.
João Batista critica a falsa segurança religiosa daqueles que se apoiam em aparências ou títulos e dizem: “sou batizado, sou da Igreja, sou padre, sou bispo”, mas não buscam uma conversão interior permanente. A fé, sem mudança de vida, não salva; ao contrário, se torna motivo de condenação. Porque o julgamento, na segunda vinda de Cristo, não será uma contabilidade de pecados, mas a verificação do quanto realmente buscamos a reconciliação com Deus e conosco.
O profeta Isaías (cf. Is 11,1-10) compara a graça de Deus a um broto que nasce de um tronco seco, como uma imagem da renovação possível mesmo nos corações mais duros. Assim como certas árvores renascem após o corte, a conversão faz brotar vida onde parecia haver apenas morte. O Advento é exatamente esse tempo de oportunidade para deixar brotar em nós algo novo, fecundo e fiel à vontade de Deus.
Mas nossa atenção costuma dispersar-se. O brilho das luzes, os presentes e os preparativos para as festas de fim de ano nos distraem do essencial. O risco é transformar essa oportunidade de conversão em mera preparação para o consumo e não para o encontro com Cristo. E, logo depois, se não tivermos a atenção necessária com nossa vida espiritual, já estaremos envolvidos com os enfeites e as fantasias do carnaval.
O chamado do Advento é radical: conversão. As palavras de João Batista são duras porque a perdição eterna é ainda pior. A Palavra de Deus não adula, mas cura. Ela revela nossos pecados, denuncia nossas hipocrisias, e justamente por isso nos dá a chance de recomeçar quando o propósito de mudança e o amor ao Senhor são autênticos.
A palavra que parece ser dura e áspera demais, quando acolhida com humildade, também consola. Quem se deixa tocar por ela experimenta o amor e a misericórdia de Deus e encontra a verdadeira harmonia. Não a da conformidade com o pecado, mas a da reconciliação com a Verdade. Essa é a proposta do Advento e o convite do Senhor neste Natal: permitir que Sua graça nos transforme, por inteiro.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba