Na sua primeira Exortação Apostólica, o Papa Leão XIV acrescenta suas contribuições iniciais ao que chamamos de magistério social. São avanços vigorosos e com fidelidade ao ministério petrino, mostrando que os ensinamentos da Igreja sobre os temas que tocam a vida das pessoas são perenes e, ao mesmo tempo, contínuos. Essa continuidade manifesta-se desde o título do documento — Dilexi te (“Eu te amei” – Ap 3,9) — na escolha do tema e na referência a Francisco e sua inspiração no “Poverello” de Assis. Trata-se de um texto profundamente social, sem nenhum apelo ideológico “socialista”, e enraizado na Tradição viva da Igreja. Leão XIV reapresenta e aprofunda a Doutrina Social da Igreja a partir de suas fontes bíblicas, patrísticas, magisteriais e pastorais, reafirmando como eixo central o amor preferencial de Cristo pelos pobres.
Em seus cinco capítulos, a exortação parte da mensagem dirigida à comunidade de Filadélfia (Ap 3,8-9) e do cântico do Magnificat (Lc 1,52-53), retomando a encíclica Dilexit nos, de Francisco. O Papa mostra que contemplar o amor do Coração de Jesus conduz necessariamente à atenção ao sofrimento e às necessidades dos pobres, tornando os discípulos instrumentos vivos de sua obra redentora.
No segundo capítulo, Leão XIV aprofunda a noção de “opção preferencial pelos pobres”, tal como ela amadureceu no contexto latino-americano de Puebla e foi incorporada pelo magistério de São João Paulo II. Ele afirma: “Esta ‘preferência’ nunca diz respeito a um exclusivismo ou a uma discriminação em relação a outros grupos, que em Deus seria impossível; ela pretende sublinhar o agir de Deus que, por compaixão, se dirige à pobreza e à fraqueza da humanidade inteira” (Dilexi te, 16).
Assim, o Papa sublinha que a opção pelos pobres não é meramente estratégica ou sociológica, mas teológica: ela exprime o modo próprio como Deus age no mundo, revelando o valor intrínseco de cada pessoa e o chamado universal à Salvação. O amor ao próximo torna-se, portanto, a prova tangível da autenticidade do amor a Deus.
Ao tratar da Igreja “pobre e para os pobres”, Leão XIV recorda o testemunho de Santo Estêvão, diácono e primeiro mártir, cuja vida une serviço aos necessitados e entrega radical a Cristo. Nesse gesto inaugural encontra-se um preâmbulo da Doutrina Social da Igreja, que floresceu na patrística, na vida monástica e na tradição caritativa ao longo dos séculos. A caridade é apresentada não como um “complemento opcional”, mas como critério decisivo da autenticidade do culto. Nas palavras do Papa: “Esta partilha dos bens brota, portanto, da caridade teologal e tem como fim último o amor a Cristo. Para Agostinho, o pobre não é apenas alguém a quem se presta auxílio, mas é presença sacramental do Senhor” (Dilexi te, 44).
Em seguida, Leão XIV relembra a continuidade do magistério pontifício e conciliar dos últimos 150 anos, destacando-o como um verdadeiro tesouro de ensinamentos sobre os pobres. Ele afirma: “Com São João Paulo II, consolida-se, pelo menos no âmbito doutrinário, a relação preferencial da Igreja com os pobres” (Dilexi te, 87).
Com linguagem clara e profética, o Papa denuncia as estruturas econômicas que perpetuam a exclusão: “É necessário, portanto, continuar a denunciar a ‘ditadura de uma economia que mata’ e reconhecer que, enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz... Devemos empenhar-nos cada vez mais em resolver as causas estruturais da pobreza” (Dilexi te, 92, 94).
Leão XIV recentra toda a Doutrina Social no agir e nas palavras de Cristo, convidando a Igreja a encontrar os “Lázaros” de hoje. Ele afirma com força evangélica: “A realidade é que, para os cristãos, os pobres não são uma categoria sociológica, mas a própria carne de Cristo” (Dilexi te, 110).
Assim, a exortação Dilexi te é um convite a reencontrar, no amor de Cristo pelos pobres, o coração do Evangelho. Não se trata de mera filantropia, mas de revelação: é também no rosto dos pobres que Cristo se manifesta. Portanto, é também no amor a eles que se mede o amor a Deus. A fidelidade ao Evangelho exige uma Igreja pobre e para os pobres, cuja caridade seja capaz de transformar pessoas, estruturas e culturas à luz do Reino.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba