Vivemos cercados por dispositivos de vigilância e segurança. Radares eletrônicos nas ruas, câmeras espalhadas pelas cidades, alarmes de carros, aplicativos que nos alertam sobre radares – tudo isso faz parte do nosso cotidiano de forma tão natural que nem percebemos. Utilizamos esses recursos porque temos bens preciosos a proteger e porque o medo nos move: medo de ter nossos pertences roubados, medo de sermos multados, medo das consequências de nossos descuidos. Essa vigilância nasce, portanto, do medo e da necessidade de proteção material.
A Palavra de Deus, no entanto, nos convida a refletir sobre outro tipo de vigilância: a vigilância cristã (cf Lucas 12,32-48). Diferentemente da vigilância que exercemos por medo, a vigilância da vida de fé tem uma motivação completamente distinta. O próprio temor a Deus, que nós lemos e cantamos também nos Salmos, por exemplo, não é o medo do encontro com o Senhor, mas sim reverência e desejo ardente de estar sempre pronto para esse encontro. Portanto, é a fidelidade que nos move, não o receio da punição.
Na parábola contada por Jesus, no capítulo 12 do Evangelho segundo São Lucas, o servo fiel permanece vigilante não por temer o castigo, mas porque ama seu senhor e deseja estar preparado para recebê-lo, independentemente do momento de sua chegada. Essa vigilância nasce do amor e se expressa através da fidelidade. É uma atitude interior que se manifesta em gestos concretos, numa vida coerente que não se altera conforme as circunstâncias ou a presença de testemunhas.
A vigilância cristã exige de nós consequências morais e práticas em nossas atitudes cotidianas. Não podemos ser cristãos apenas quando estamos sendo observados, apresentando uma face na igreja e outra na vida privada. Essa incoerência revela uma fé sem raízes, uma espiritualidade de aparências que não se sustenta diante das dificuldades. A fé autêntica manifesta-se na prática das virtudes, não por obrigação ou medo, mas porque essa vivência nos permite experimentar uma vida plena e verdadeira.
Um dos grandes desafios do nosso tempo é superar a tentação da fé superficial, que se contenta com gestos piedosos em momentos específicos, mas não transforma a existência como um todo. Muitos esperam reciprocidade para praticar o bem: “sou educado se forem educados comigo”, “faço o bem na expectativa de receber algo em troca”. Essa lógica de moeda de troca não corresponde ao Evangelho, que nos chama a tomar a iniciativa do amor, independentemente da resposta do outro.
A vigilância cristã não escolhe momentos convenientes para se manifestar, mas marca todo o nosso dia a dia com a mesma fé, a mesma posição, a mesma relação com as coisas do mundo. Ela nos desafia a sermos coerentes numa sociedade que cada vez mais se afasta dos valores cristãos, onde conceitos como família e amor são ressignificados de acordo com critérios que não correspondem à revelação divina.
Diante disso, somos chamados a uma decisão: queremos ser cristãos de fato, pessoas verdadeiramente comprometidas com a fé que professamos, ou nos contentaremos com um cristianismo sem raízes, sem consequências, sem risco? A vigilância cristã nos convoca à autenticidade, a mostrarmos ao mundo, através de nossas atitudes cotidianas, aquilo em que realmente acreditamos. Não sejamos cristãos fracos que mudam de opinião conforme a conveniência, mas tenhamos a coragem da coerência, sendo vigilantes para que nossa vida inteira seja testemunho da fé que carregamos no coração.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba