Ao longo da história, os nomes próprios sempre refletiram mais do que uma simples identificação. Eles expressam cultura, fé, pertencimento e até mesmo aspirações familiares. Antropólogos e linguistas concordam que a escolha de um nome raramente é neutra, pois carrega símbolos, significados e referências que espelham o tempo e o contexto de uma sociedade. Nos registros mais antigos, a nomeação era um ato solene.
No mundo bíblico, nomes revelavam não apenas a origem de uma pessoa, mas sua missão ou experiência com Deus. Abraão, que antes se chamava Abrão, tem seu nome modificado ao assumir uma aliança com o Senhor (cf. Gn 17,5). Simão é chamado Pedro por Jesus, indicando a nova missão de ser “rocha” da Igreja (cf. Mt 16,18). A tradição cristã continuou esse caminho, com nomes de apóstolos, mártires e santos que se tornaram referências permanentes. Batizar uma criança com o nome de um santo era mais do que uma homenagem; era o desejo de uma proteção espiritual e um modelo de vida.
O cristianismo também deu origem à prática dos nomes compostos, como forma de unir devoção, tradição familiar ou distinção entre pessoas com nomes semelhantes. “Maria Aparecida”, “José Benedito”, “João Batista” são exemplos que podem fazer referência à fé e à “geografia religiosa” do Brasil. Ao mesmo tempo, influências sociais e culturais se sobrepuseram. O século XX, por exemplo, trouxe nomes ligados à realeza, artistas de cinema e personagens da televisão. Hoje, em tempos de redes sociais e plataformas digitais, muitos nomes se popularizam por tendências virais, revelando o quanto a identidade pode ser moldada por elementos da mídia.
O Brasil é especialmente criativo nesse campo. Conjugamos originalidade, sonoridade agradável e um toque de afeto na escolha dos nomes. É comum o uso de variações, combinações inusitadas e invenções que se tornam únicas, mesmo que às vezes desafiem a ortografia tradicional. Esse fenômeno revela um traço marcante da nossa cultura: o desejo de destacar o indivíduo e, ao mesmo tempo, criar vínculos com o afeto familiar ou coletivo.
O nome João é um exemplo carregado de significado. De origem hebraica, significa “Deus é favorável”. No relato de Lucas 1,57-66, a escolha desse nome para o filho de Isabel e Zacarias surpreende parentes e vizinhos. Eles esperavam a repetição de um nome familiar, mas Deus intervém e rompe com os padrões sociais. O nome “João” marca uma nova etapa da história da salvação. João não apenas nasce como dom divino, mas também é chamado a ser o precursor do Messias. Seu nome é sua missão.
Da mesma forma, no batismo cristão, recebemos um nome novo e somos chamados a viver “em Cristo”. Mais do que a inscrição de um nome no registro civil, trata-se de uma identidade espiritual que nos introduz na comunidade dos filhos de Deus. O Papa Bento XVI recorda que “o batismo nos dá um nome novo: o de filhos adotivos de Deus, chamados a viver segundo o Evangelho” (cf. Audiência Geral, 5 de janeiro de 2011). Esse nome, inscrito no céu, nos recorda que nossa verdadeira vocação não se limita a um título, mas aponta para a eternidade.
Em tempos em que a identidade se fragmenta entre avatares, pseudônimos e curtidas digitais, vale lembrar que, no olhar de Deus, somos conhecidos e amados por nosso nome. Como diz o profeta Isaías: “Eu te chamei pelo nome, tu és meu” (Is 43,1). Essa certeza pode restaurar em nós o sentido da dignidade e do chamado único que cada ser humano carrega. Ao dar um nome a alguém, damos mais do que sons: damos identidade, esperança e história. Nosso nome, nossa missão.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba