Quando se compra um celular novo, sobretudo os mais caros, é comum adquirir também uma capinha e uma película de proteção. O celular é um bem de consumo caro e muito frágil, sujeito a quedas, arranhões e impactos que podem comprometer seu funcionamento. Assim, buscamos formas de protegê-lo, porque sua resistência é limitada. Curiosamente, esse cuidado minucioso com um bem material contrasta, muitas vezes, com a pouca atenção que damos à nossa própria fragilidade. Se reconhecemos a necessidade de proteger um celular, quanto mais deveríamos reconhecer a necessidade de cuidar da nossa condição humana, que também é vulnerável e exige atenção.
A natureza humana é frágil e cheia de limitações próprias da sua condição. Essas fragilidades podem ser divididas em dois grupos: as biológicas e físicas, que envolvem aspectos naturais como a sede, a fome, a fadiga e a resistência do corpo; e as morais e de caráter, ligadas ao comportamento, como a vaidade, a inveja, o egoísmo e a busca desenfreada pelo poder. Se as primeiras nos mostram a dependência do nosso organismo por alimento, descanso e proteção, as segundas revelam como nossa alma é inclinada a desafios internos que comprometem nossas relações com Deus e com os outros. Ambos os aspectos são realidades da vida humana e exigem um olhar atento para que não sejamos dominados por eles.
A Escritura e a história demonstram que a luta contra a fome, a doença e a dor é um esforço contínuo, ao mesmo tempo em que as fraquezas morais, como a busca pela superioridade e o desejo de posse, estão sempre presentes na sociedade. O reconhecimento dessas limitações é o primeiro passo para superá-las ou ao menos controlá-las. É mais fácil fazer um dia de jejum, que controlar os julgamentos e as palavras inapropriadas. Da mesma forma como protegemos um celular de impactos, precisamos criar defesas espirituais e morais que nos ajudem a enfrentar as dificuldades e tentações do dia a dia.
Pelo mistério da Encarnação, Jesus assumiu a natureza humana e suas fragilidades. Ele experimentou a fome, o cansaço e a dor, e, mais do que isso, enfrentou as tentações que afligem a humanidade. No deserto, passou quarenta dias em oração e jejum, e ali foi tentado pelo diabo exatamente nas fragilidades humanas: no desejo de saciar a fome de maneira fácil, na busca por poder e glória, e na tentação de testar a fidelidade de Deus. Essas provações mostram que não estamos sozinhos em nossas lutas, pois o próprio Filho de Deus escolheu passar por elas.
A diferença entre nós e Cristo reside na maneira como ele enfrentou essas provações: com firmeza, apoiando-se na Palavra de Deus e rejeitando qualquer atalho que comprometesse sua missão. Suas respostas às tentações ensinam que não basta reconhecer as fragilidades, mas é necessário combatê-las com convicção. Jesus não usou recursos sobrenaturais, ele não fez milagres para socorrer a si mesmo. Por isso, ele nos convida a olhar nossas fragilidades não como um fardo insuperável, mas como oportunidades de crescimento espiritual.
O Tempo da Quaresma nos ajuda a descobrir e a confrontar nossas fragilidades com o projeto divino, para fazermos escolhas claras e conscientes. Ao longo desse período, somos chamados a um exame sincero da nossa vida, identificando as áreas em que precisamos de conversão. Dessa forma, assim como protegemos o que é valioso, devemos fortalecer nosso espírito por meio da oração, do jejum e da caridade. Então, ao final da caminhada quaresmal, vamos estar mais preparados para celebrar a Páscoa com um coração renovado, mais forte na fé, mais próximos de Deus e dos irmãos.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba