O movimento de Jesus não se organizou, em sua origem mais remota, a partir de consensos. Quem ainda se recorda sabe bem que Jesus, com suas pregações e atitudes firmes, escandalizou muita gente. A história registra que fariseus, saduceus, essênios, zelotas e, até mesmo, alguns dos mais íntimos seguidores, bem como outros grupos que não chegamos a conhecer tão profundamente, sentiam-se incomodados e não concordavam com a radicalidade da mensagem trazida por Jesus.
O Novo Testamento está recortado por cenas e narrativas que apresentam a postura ousada, transformadora e profundamente misericordiosa de Jesus, revelando o caminho ético para os discípulos da primeira hora. A passagem que reporta para uma situação de adultério, por exemplo, retrata e ensina qual deve ser a régua para qualquer julgamento: o perdão, a compaixão, a misericórdia e o profundo amor.
Interessante que esses quatro princípios éticos, definidores da prática mais cotidiana de Jesus, completam-se, de maneira a gerar ações capazes de recuperar e reconectar as pessoas, fundamentando uma outra forma de se relacionar. O movimento de Jesus, em sua dinâmica mais profunda, inaugura uma nova sociabilidade, rompendo tanto com estruturas que produzem exploração e opressão quanto com comportamentos que fomentam preconceitos e exclusão. Neste sentido, a atitude carregada de indignação de Jesus diante da prática comercial no Templo revela a força de uma ética que rompe com estruturas que exploram e oprimem os mais pobres. Os muitos gestos de Jesus, tomados pela dimensão da acolhida e pelo mais profundo amor, apontam para a sociabilidade do encontro na alteridade.
É sempre importante não esquecer quais os princípios éticos que mais se sobressaem nos ensinamentos de Jesus. Se fosse possível sintetizar a profundidade da mensagem de Jesus, qual seria sua essência? Apesar dos equívocos do tempo contemporâneo, qualquer pessoa minimamente informada diria, parafraseando o próprio Jesus: Amar a Deus e ao próximo como a si mesmo.
E aqui talvez passe a fazer maior sentido, especialmente para os desavisados sobre a essencialidade do movimento de Jesus, o grande esforço da Campanha da Fraternidade, neste difícil ano de 2021, que traz como tema “Fraternidade e Diálogo: Compromisso de Amor” e como lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”. As reflexões propostas pela Campanha da Fraternidade Ecumênica se articulam a partir da intersecção entre três valores fundantes, tendo sempre Cristo como centro: amor, paz, unidade. Em um contexto de muitas divisões, o amor é o grande amálgama capaz de recuperar e recompor todas as relações e a própria criação, em sentindo mais amplo.
De saída, esta Campanha da Fraternidade, por seu caráter ecumênico, já avança em uma perspectiva essencial da ética cristã: a construção do diálogo e da unidade. O próprio Jesus insistiu que os cristãos devem ser perfeitos da unidade, a exemplo da Santíssima Trindade. O convite para a construção de uma sociedade que aprenda a respeitar as diferenças, em uma postura de abertura ao diálogo na diversidade, tem como referência a essencialidade dos ensinamentos que se desdobram de uma percepção mais atenta do movimento de Jesus.
A sociedade contemporânea está cindida em expressões de ódio, que alimentam violências, preconceitos, racismos e discriminações. A sociabilidade que nasce da mais profunda ética cristã aponta sempre para o perdão, a compaixão, a misericórdia e o amor. A Campanha da Fraternidade 2021, em uma hermenêutica fiel ao movimento de Jesus, atualiza justamente a radicalidade das concepções cristãs, que, sob o imperativo do amor, alicerçam uma cultura de diálogo e unidade, na alteridade que possibilita o encontro em um contexto de pluralidade e diversidade.
Prof. Adelino Francisco de Oliveira
Professor no Instituto Federal, campus Piracicaba.
Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.
adelino.oliveira@ifsp.edu.br